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Ruth de Souza deixa legado para todas as atrizes brasileiras

Primeira negra a atuar no Theatro Municipal do Rio, atriz de carreira prolífica morreu aos 98 anos

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Ruth de Souza foi uma desbravadora. A primeira em muitas marcas na dramaturgia e teledramaturgia brasileira despediu-se de nós neste domingo (28), deixando muitas estradas pavimentadas e muita paz pela missão cumprida.

Um legado para todas as atrizes, atores e artistas brasileiras, além do reconhecimento em vida, algo tão raro e, portanto, tão precioso na vida de mulheres negras.

Despede-se depois de mais de 70 anos de profissão, em carreira iniciada em 1945 no Teatro Experimental do Negro, liderado por Abdias do Nascimento, um grande homem que deveria estar no GPS e na grade curricular das escolas de todo o país, e que agora a recebe com os ancestrais.

Foi a primeira atriz brasileira a disputar prêmio internacional de cinema, no Festival de Veneza de 1954, pelas suas cenas marcantes no filme “Sinhá Moça”, com direção de Tom Payne.

Em 1960, Ruth de Souza interpretou Carolina Maria de Jesus, intelectual negra brasileira lida até os presentes dias em todo o mundo. A peça tratava do livro “O Quarto de Despejo”, o mais conhecido da autora, no qual descreve sua vida na favela do Canindé em São Paulo.

A obra foi um sucesso estupendo, de repercussão mundial, e Souza se firmou no papel no teatro e na televisão nos anos 1980. Participou de tantas outras produções, como também inspirou e cuidou de pessoas que caminharam pelas estradas por ela abertas.

Fossem outros tempos, em tempos futuristas certamente, poderíamos olhar para a vida e carreira de uma pessoa e combinar tal olhar com as diversas barreiras postas pelas estruturas fundantes desse país, e, então, avaliar seu talento, seu legado e como ela marcou o passo de tantas outras pessoas, poderíamos então saber indiscutivelmente quem foi a diva do teatro brasileiro.

Só ela soube com quanto de racismo teve de lidar e o tanto de estratégias de batalha teve de desenvolver para entender os caminhos e levar tantos consigo. Para a Ruth de Souza, guerreira que tanta serenidade transmitia, prestamos todas as homenagens.

Nas redes, vários representantes do Legislativo se comovem. Ora, aproveita-se então, em tempos nos quais andamos por ruas e rodovias de nomes tão controversos, para cobrar os devidos registros públicos e reverências a grandes mulheres negras que deixaram marcos indiscutíveis.

A atriz Ruth de Souza como a escrava Sabina, no filme "Sinhá Moça", da Vera Cruz - Divulgação

Fica a cobrança da avenida Ruth de Souza, praça Ruth de Souza, teatro Ruth de Souza (tem um no Museu Afro Brasil, mas deveria ter mais). Que seu pioneirismo a acompanhe, inclusive, depois de se despedir. 

Vamos aguardar as devidas homenagens da União, do estado e de municípios brasileiros. Sairemos pela avenida Ruth de Souza, viraremos na rua Lélia Gonzalez, passearemos pela praça Luiza Bairros, em frente ao teatro Abdias do Nascimento e ao lado do Museu Carolina Maria de Jesus.

Independentemente de qualquer reconhecimento público devido, os marcos de Ruth de Souza ficam na memória de gerações de um povo. Não há tristeza em meu coração, mas agradecimento, reverência ao trabalho e reflexão sobre as lições deixadas. Peço licença para saudá-la, na certeza de que nossos divinos ancestrais estão em festa com sua chegada. Para quem se despede, fica a responsabilidade de caminhar nos caminhos desbravados desde longe.

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