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Flip

Um guia prático com os melhores banheiros de Paraty

Ou sobre como um Airbnb disfuncional pode levar à contemplação da poesia da vida

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Paraty (RJ)

Sempre ouvi dizer que a Flip tinha qualquer coisa mágica. Parecia verdade. Os amigos jornalistas que vinham para cá cobrir a feira sumiam de quarta a domingo, não davam satisfação nem para os “conjes”, nem para a redação. O único sinal de vida eram as matérias do dia —e o resto, silêncio. O truque do desaparecimento. Aplausos.

Movimentação em no centro histórico de Paraty, durante a Flip 2019 - Eduardo Anizelli/Folhapress

A magia da literatura, por sua vez, envolvia um lirismo eterno que desceria nas águas do rio até o mar, ou ao menos era isso com isso que me iludiam. Lembro que alguém fez o García Marquez, e mencionou livros voando de madrugada pela rua da catedral. Provocar inveja, prazer em iludir: olha a chacota que eu tiro da cartola.

Nas fotos do site, o quarto do Airbnb parecia singelo. Janelas em duas paredes, sobrado de paredes azuis. Um bairro que, no mapinha, cabia inteiro na tela do celular. Dá para ir ao Centro Histórico de bicicleta. Cama boa, sem geladeira, chuveiro quente. Aluguei.

Ninguém falou nada sobre a descarga que não funcionava. A hospedagem que escolhi para finalmente perder minha virgindade de Flip tem uma privada disfuncional. Fazer xixi até posso de vez em quando, mas, para assuntos mais radicais, é preciso diariamente pedir para usar o banheiro de estranhos.

Virei especialista. O restaurante na esquina da ponte tem as melhores instalações até agora, mas elas custam um robalo com banana da terra de R$ 160. Prefiro quando dá para economizar o tíquete e correr até o banheirinho da mercearia – limpo, e só não mais apertado que eu depois de três mesas de debates seguidas.

O café perto da praça do Chafariz não tem espelho na pia. Inviável, com a espinha que me apareceu no queixo. O do boteco sai por apenas R$ 8 de uma Heineken, com a condição de que só bebo álcool depois de findas as atividades profissionais do dia.

Junto com o aprendizado de como um jornalista cobre a feira, também venho crescendo muito como ser humano. Já são 96 horas lapidando maneiras de domar o intestino e a bexiga conforme a necessidade e o mapa de Paraty.

No show de quinta à noite, a Adriana Calcanhotto cantou apenas sucessos. Eu chorei de saudade do meu filho, da juventude no Rio de Janeiro, e dos amores que não voltam.

Mas, não, eu não chorei pela desgraça do da privada inútil. Na hora do bis, corri para o banheiro químico e, eficiente, em dois minutos já estava liberada. Deve ser a mágica de Paraty que faz a gente relevar as pequenices e focar na sutileza dos poetas.

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