Bolsonaro e Macron não distraem músicos franceses e brasileiros em festival no Rio

Encontro de música barroca, mais retrô impossível, celebra laços culturais entre os países

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Rio de Janeiro

De início, o som parece sair de sintetizadores. Depois de alguns minutos, é possível notar que há cordas sendo pinçadas. Ao abrir os olhos, quatro estranhos pianos de mobiliário entre o rococó e o Luis 16, com desenhos do Rio de Janeiro nas tampas abertas.

O concerto de abertura do festival Baroque in Rio, na capital fluminense, transportou a plateia aos salões do século 18, à atmosfera do "Barry Lyndon" de Kubrick. A Sala Cecília Meireles foi ocupada pelas obras para cravos de Bach —instrumento popular nos séculos 17 e 18 de duas linhas de teclado que lembra um piano mas no qual, ao contrário de seu primo moderno, as cordas não são batidas por martelinhos, mas sim elevadas.

Um mês antes do mais famoso Rock in Rio, o evento que tem agora sua primeira edição reúne, além das peças de Bach escritas para dois e quatro cravos, violino, viola, cello e contrabaixo executadas nesta sexta, apresentações de música barroca francesa da corte de Versalhes e de composições realizadas no Rio de Janeiro nos primeiros anos dos 1800.

De José Mauricio Nunes Garcia, carioca nascido em 1767, e um dos mais importantes compositores do período, será tocada a "Abertura Zemira", uma cena de tempestade, bastante ao gosto da época, como há em Rossini, no "Barbeiro de Sevilha", por exemplo, com percussão que sobressai.

Nunca executada em tempos modernos, uma composição do conterrâneo e contemporâneo de Mozart, Sigismund Neukomm, será ouvida também no Theatro Municipal. O austríaco compôs "Abertura" em terras cariocas em 1819, quando acompanhava o primeiro embaixador francês que chegou ao Brasil.
Neukomm, que deu aulas a Francisco Manuel da Silva, compositor do Hino Nacional Brasileiro, foi precursor em pôr aspectos da música popular brasileira em composições clássicas com sua obra "O Amor Brasileiro", inspirada num lundu.

O Baroque in Rio é fruto de uma cooperação entre França e Brasil, dirigido pelos cravistas Olivier Baumont, francês, e Rosana Lanzelotte, brasileira. "O festival é fruto de 30 anos de harmoniosa troca cultural entre Brasil e França na música barroca. Eu espero que essa harmonia possa continuar em outras áreas", cutucou Lanzelotte, sob aplausos no concerto de sexta.

 

Na visão de Baumont, que, entre outros, escreveu um livro sobre a música na corte de Versalhes, o barroco e o rock, embora distantes no tempo, têm em comum seu aspecto livre na possibilidade de improvisação e o apelo à juventude. Segundo ele, os concertos de música barroca atraem mais o público jovem do que, por exemplo, os de música do romantismo. Lanzelotte reforça que a dança é outra característica comum aos dois, músicas feitas para não ficar parado —na corte de Luís 14 não apenas o rei dançava, como era importante aos demais que soubessem dançar para agradar ao monarca.

A música barroca ficou esquecida por mais de um século, assim como as que a antecederam. Isso porque, foi só no fim do 19 que se desenvolveu o hábito de executar música antiga. "Até ali, a música era estreia, o que havia sido composto naquele momento", explica Baumont.

Foi necessário, portanto, já no século 20, como diz Lanzelotte, fazer uma arqueologia do modo de tocar a música barroca, uma história da interpretação, já que as partituras da época também não têm notação detalhada. Não se escrevia, por exemplo, a dinâmica, se se devia acelerar, ou tocar mais forte um trecho.

O cravo, lembra ainda Baumont, era tocado nos salões que reuniam a intelectualidade e que tiveram papel fundamental na Revolução Francesa. "Ouvir o cravo pode transportar ao século 18", diz, antes de confessar que foi justamente o filme de Kubrick, que esta repórter já havia escolhido como metáfora para o concerto de sexta, a que ele assistiu adolescente, que o levou à decisao —viver da música de cravos.

A jornalista viajou a convite do Baroque in Rio.

Baroque in Rio

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