Conglomerado que pode dominar mercado da arte vem sendo criado na surdina

Os empresários Antonio Almeida e Carlos Dale vêm financiando exposições e comprando galerias rivais

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São Paulo

No tabuleiro de “War” do mercado de arte, o momento é de novas alianças, quedas de braço e novos protagonismos, lembrando um pouco o atual cenário político. Ativos desde 2002 no mercado de revenda de obras de artistas em geral já consagrados, os sócios Antonio Almeida e Carlos Dale passaram os últimos anos injetando capital, criando parcerias e formando uma rede extensa de galerias, instituições e colecionadores.

Depois do anúncio de fusão com a galeria Leme, em janeiro, formando a Leme/AD, a dupla prepara em silêncio a fusão desta com a galeria Millan, dona de um dos principais times de artistas contemporâneos do país, entre eles nomes como Artur Barrio, Mario Cravo Neto e Tunga. Com cinco sócios (dois da A&D, dois da Millan e um da Leme) e três sedes, o novo negócio busca força para enfrentar a concorrência 
global e os tempos de crise.

“A Millan não está sendo vendida porque nunca esteve à venda”, diz André Millan, sócio da casa ao lado de Socorro de Andrade Lima. “É uma nova galeria que vai surgir, novo nome e nova marca que ainda estamos definindo em conjunto.”

Segundo agentes de peso no mercado, a Almeida e Dale ainda teria ingerência sobre a editora Capivara, fundada por Pedro Corrêa do Lago, do portal de vendas online Blombô, e parte do acervo da galeria Mendes Wood DM —as fusões criam um conglomerado comercial de poder sem precedentes no cenário do país. 

Ao atuar no mercado de venda de obras, na publicação de catálogos e no patrocínio de exposições em instituições, a dupla vai constituindo posições de poder em todas as etapas dessa cadeia. Entendendo que parceria é poder, passaram a fazer negócio com os próprios concorrentes até fazer deles aliados e, em alguns casos, sócios mesmo.

“Uma coisa que a gente faz é olhar para fora e ver o que funciona. A galeria se posiciona como o centro, não só como ponta final que faz a venda e recebe o dinheiro. Trabalhamos apoiando instituições, famílias, catálogos, exposições, meios de comunicação, revistas que falam de arte, toda a estrutura que está em volta”, conta Antonio Almeida. 

“É justamente na crise que precisamos usar nossa criatividade e crescer, tanto que nesses últimos anos multiplicamos o número de projetos. Vamos procurar mercado alternativo, fazer parcerias, aumentar a base de clientes.”

Antonio Almeida e Ana Dale, mãe de Carlos, se conheceram em 1996 na galeria Portal, firma de Malvina Gelleni na rua Estados Unidos. Ali, ele era motorista e montador que começou a ensaiar a venda de algumas obras por conta própria. “Na época, as galerias eram pequenas. Não tinham a estrutura de hoje”, lembra.

Juntos, montaram um negócio também nos Jardins que tinha uma agência de turismo no andar de baixo e um escritório de arte no andar de cima. A atividade dupla acabou com a chegada de Carlos, dentista que morava no interior paulista e que mudou os rumos do negócio.“Ele falou: nós temos que fazer as coisas do meu jeito. Ele sabia que era uma bagunça”, lembra Antonio.

Estabelecida depois na rua Caconde, na virada do milênio, a Almeida e Dale cresceu tendo como clientes jogadores de futebol, como Emerson Leão, e políticos, como o ex-senador Luiz Estevão. 

A expansão para valer, no entanto, aconteceu quando começaram a vender obras de arte aos empresários ligados ao grupo Edson Queiroz, de Fortaleza, em especial a Ayrton Queiroz e à fundação que leva seu nome, que tem um acervo com mais de 800 peças do período colonial ao contemporâneo.

“São Paulo inteira passava na galeria para levar obras para apreciação do doutor Ayrton, de tapeçarias a neoconcretos”, contou um importante colecionador paulistano.

Mas, ainda que tivesse dinheiro, a galeria sem prestígio foi sempre vista com ressalvas. Recusada em boa parte das feiras internacionais, passou a fazer parcerias com galerias mais descoladas, como a de Marilia Razuk, para conseguir entrada. É esse movimento que as fusões com Leme e Millan parecem vir completar.

Na tarde de terça-feira, quando receberam esta repórter, o colecionador Orandi Momesso, que estrutura uma espécie de pequeno Instituto Inhotim no Paraná, e a curadora Denise Mattar eram alguns dos que circulavam pela galeria, em meio aos 15 funcionários fixos. 

Na sala dos sócios, 23 câmeras acompanham em tempo real a movimentação em cada um dos ambientes. Enquanto o primeiro andar abriga uma exposição de Flávio de Carvalho, o segundo acumula obras de todos os períodos e estilos, formando um conjunto que impressiona pelo volume.

Sempre que questionados sobre o sucesso do negócio, os sócios costumam ser enfáticos sobre a capacidade que têm de fazer pontes, abrir e desbravar mercados fora do eixo Rio-São Paulo.

“Você está num país com 27 estados, todos com potencial enorme de ter consumo de arte, mas nós temos um problema. Nem sempre temos instituições, nem sempre temos conteúdo. Você chega aos museus e não tem acervo, as condições são difíceis. Quando a gente chega a qualquer estado brasileiro, a gente identifica uma instituição local, identifica um parceiro e trabalha para criar e fortalecer esse mercado.”

Pouco a pouco, instituições como o Museu Inimá de Paula, em Minas Gerais, o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães, o Mamam, no Recife, começaram a encampar projetos de exposição patrocinados pelos galeristas e a emprestar obras do acervo para exposições em São Paulo.

Mais emblemático é o Museu de Arte Moderna da Bahia, que recebeu uma exposição de Adriana Varejão organizada pela Almeida e Dale e não pela Fortes, D’Aloia & Gabriel, representante oficial da artista. A instituição em Salvador agora se prepara para receber uma individual de Ana Elisa Egreja também financiada pelos galeristas. 

Na capital baiana, o marchand Paulo Darzé virou um parceiro crucial, assim como galeristas de Goiânia, Cuiabá e outros centros. Na capilaridade estratégica desse dinheiro, a dupla parece ter descoberto um país que o mercado da arte ignorava. Em tempos de fogo, a água ali parece jorrar.

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