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'Ele queria dirigir a própria morte', diz Bárbara Paz sobre filme com Hector Babenco

Viúva do cineasta lança documentário e livro com conversas que teve como autor de 'Pixote', morto em 2016

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São Paulo

Demorou até que o cineasta Hector Babenco passasse de vez a direção do documentário sobre a própria vida para sua mulher, Bárbara Paz

A vontade de contar a história do argentino naturalizado brasileiro, morto há três anos, veio dela, conta a atriz. Intrigada com a falta de obras biográficas sobre o diretor, autor de clássicos como “O Beijo da Mulher-Aranha”, que disputou o Oscar em 1986, ela um dia o confrontou sobre o assunto.

“Ele perguntou: ‘Quando a gente começa?’. Falei: ‘Já começou’.”

À medida que os dois avançavam no projeto, no entanto, Paz compreendeu o motivo da parca bibliografia disponível sobre o cineasta. “Ele queria dirigir a própria morte”, afirma. “Dizia que o filme dele seria um solilóquio. Que estava vivo e que queria falar.”

O plano, a princípio, era viajar para a Argentina natal e Los Angeles para resgatar a memória que Babenco, com a diabetes avançada, perdia pouco a pouco. Mas, cerca de dois anos depois do início das filmagens, o diretor estava com a saúde debilitada demais para continuar. Foi quando entregou a câmera à Paz. “É meu passaporte”, disse.

O resultado, uma coprodução entre a HB Filmes e a Gullane, é “Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”. Selecionado para uma mostra do Festival de Veneza, com início no dia 28 deste mês, deve ser lançado no Brasil até o ano que vem.

Não é a primeira vez que Babenco usa o cinema para encarar a própria mortalidade. Seu último longa, “Meu Amigo Hindu”, protagonizado por Willem Dafoe e lançado há quatro anos, recria a descoberta de um câncer linfático pelo diretor nos anos 1990 e a sujeição a um tratamento experimental nos Estados Unidos.

O assunto também guia o livro “Mr. Babenco”, que Paz lançou pela editora Nós nesta edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip.

A obra intercala transcrições integrais das conversas que Babenco e Paz gravaram para o documentário, algumas das quais não chegaram à tela grande, com poemas do cineasta em português e em espanhol.

Nas páginas, o casal volta e meia recorre a um jogo no qual encena o derradeiro fim de Babenco. “De que você quer morrer?”, questiona Paz. Sozinho, de um piripaque, uma sinapse cardíaca, num fim de semana tranquilo, responde o diretor. Almoçando um chá de carne da churrascaria Rodeio. Vestindo calça de capoeira. Reunido com os amigos, partilhando um grande banquete.

Em uma das passagens que, segundo Paz, não entraram no corte final do documentário, recordam um obituário de Babenco encomendado nos anos 1990, quando ele fez a operação de transplante de medula óssea. O diretor sobreviveu ao texto —e ao seu autor— por quase três décadas.

“Por que a gente não simula a morte e pede os obituários? Para ver o que as pessoas pensam de mim”, propõe o cineasta, brincalhão.

Questionada se o assunto era uma obsessão pessoal de Babenco, Paz responde que ele “tirava sarro da morte”. “Toda vez que ele conseguia sobreviver, voltava e fazia outro filme. Nunca conheci uma pessoa que não queria ir embora de jeito nenhum, e ele fez isso por 30 anos”, diz a atriz.

O apego ferrenho à existência aparece de forma expressa em outra parte do livro, esta sim presente no documentário. “Não adianta, eu não consigo, porque eu não vou morrer, está entendendo? Eu não posso simular o que sei que não vai acontecer”, declara Babenco.

Apesar de o assunto contaminar ambos, livro e filme, ele não é o único a ser abordado por Paz. Também a infância em Mar del Plata, a chegada ao Brasil, os dias como vendedor de lápides no cemitério do Morumbi e os bastidores das filmagens têm vez nas duas obras irmãs.

Uma das histórias curiosas reveladas pelo livro, aliás, é que Babenco foi preso na Espanha, nos anos 1960, condenado por roubar um talão de cheque de uma pousada.

Paz especula que a experiência está na origem dos tantos filmes de cadeia que o diretor realizou, de “Pixote”, de 1980, passado na antiga Febem (hoje Fundação Casa), a “Carandiru”, de 2003, baseado nos relatos do médico Drauzio Varella sobre o maior massacre de presos da história nacional.

A relação de Babenco com o país do qual adotou cidadania aos 31 anos, quando filmava “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, de 1977, também se sobressai na publicação. Crítico do que chama de uma “indolência crônica” brasileira, em “Mr. Babenco” ele diz não fazer a menor ideia do que é o Brasil, e que não respeita as entidades nacionais.

 

Paz afirma não conseguir prever a opinião do marido sobre o atual momento do país, que envolve a possibilidade de extinção da Agência Nacional do Cinema, a Ancine. “Mas ele nunca se calou sobre política, então acho que estaria muito bravo”, diz.

Apesar de aparecer em cena no documentário, a atriz e agora diretora diz ter buscado se pôr o mínimo no filme e que tentou intuir as decisões de Babenco. “Ficava conversando com ele o tempo todo na montagem”, afirma.

Na próxima aventura como realizadora, um longa ficcional, seu voo será solo. “Mas sempre vou chamá-lo de meu maestro.”

Mr. Babenco

  • Preço R$ 55,00. (185 págs.)
  • Autoria Bárbara Paz e Hector Babenco
  • Editora Nós
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