Ao lermos “O Mundo da Escrita”, do crítico literário Martin Puchner, quem nos vem à memória é o filósofo Martin Heidegger. Ao se reaproximar do universo literário, ele atribuiu aos poetas a capacidade de intuir a verdade sobre o homem a partir de um relacionamento privilegiado com o tempo, nos dando impressão de restituir o indivíduo aos momentos da sua própria trajetória.
Assim como certas leituras nos acompanham ao longo dos anos, a informar nossas experiências ou, até mesmo, moldar nossas expectativas, Puchner assevera que alguns textos são igualmente fundamentais para a compreensão de uma civilização, nos dando a oportunidade de buscar conhecê-la a fundo.
Neste quesito, “O Mundo da Escrita” chama a atenção a velhos conhecidos da nossa tradição, como a “Ilíada” e a Bíblia Hebraica. A primeira foi responsável por moldar o caráter e inspirar as conquistas territoriais de Alexandre, o Grande. A segunda é reverenciada como a origem dos preceitos morais e do imaginário da civilização judaico-cristã.
No entanto, a investigação de Puchner não se limita só aos textos mais importantes do cânone ocidental.
Aqui vale ressaltar que, conforme percorreu o mundo em busca de uma resposta para o apelo da literatura, ele celebrou com igual entusiasmo uma multiplicidade de tradições culturais, ressaltando as suas principais contribuições para a literatura como a conhecemos.
Seja ao nos apresentar obras como o "Popol Vuh" dos antigos Maias, evidenciando os esforços dos seus descendentes em preservar o texto fundamental daquela civilização ante a violência dos colonizadores espanhóis. Seja a nos fazer cientes de que o primeiro grande romance da história, "O Conto de Genji", fora escrito no século 11 por uma mulher, a poeta e fidalga japonesa Murasaki Shikibu.
Ou mesmo ao comentar sobre o papel da oralidade na tradição literária africana, Puchner faz questão de sempre reforçar o caráter abrangente da literatura em uma empreitada semelhante a de um outro seu conterrâneo, o escritor J.W. von Goethe, para quem, já no século 19, teria chegado a hora de trabalharmos arduamente pelo reconhecimento de uma literatura universal: Weltliteratur.
O que tanto Goethe como Puchner parecem ter compreendido é que o ser humano é um só por todo o mundo, caracterizando-se pelos mesmos anseios sobre a vida e pela igual necessidade de forjar uma narrativa capaz de emprestar sentido à sua trajetória.
Outro efeito interessante deste conceito de literatura universal está em demonstrar que a influência da literatura em nossas vidas é consequência de um verdadeiro intercambio de ideias entre povos diversos, sobre o aprimoramento das tecnologias relacionadas à escrita.
Para nós, essa história tem o seu ponto de partida no Oriente Médio, com a criação do alfabeto consonantal e, depois, com o desenvolvimento das vogais pelos antigos gregos, a permitir os seus poetas utilizarem, por extensão, a métrica empregada em suas composições sobre grandes feitos históricos.
Além disto, houve a invenção do papel e da impressão pelos chineses, a culminar com o aperfeiçoamento da prensa de tipos moveis por Gutenberg: o que modificou a forma de reproduzirmos informações em larga escala.
Professor de Literatura Comparada, Puchner oferece ao grande público um volume de agradável leitura sobre o mundo dos livros, evocando a complementaridade entre as histórias que nos são familiares e as personagens de tradições literárias que talvez nos sejam desconhecidas.
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