De certa forma, admira que o cineasta italiano Paolo Sorrentino não tenha filmado antes uma biografia do ex-primeiro-ministro e magnata das telecomunicações Silvio Berlusconi.
Suas festas “bunga-bunga”, com multidões de prostitutas seminuas, parecem moldadas para as sequências em câmera lenta de hedonismo e exuberância visual pelas quais o diretor ganhou fama com “A Grande Beleza”, vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2014.
O encontro entre os dois se deu com “Silvio e os Outros”, que estreia no Brasil neste sábado (10), como parte da 8 1/2 Festa do Cinema Italiano.
Originalmente dividido em duas partes, aqui costuradas em 151 minutos, o longa cobre o período entre 2006 e 2010, um ano antes de Berlusconi renunciar ao segundo mandato como primeiro-ministro.
O personagem só surge em cena, porém, depois de um terço do longa. Antes, a narrativa segue os passos de um dos “outros” do título, o alpinista social Sergio Morra.
Ele reúne um exército de garotas de programa e aluga uma mansão à beira-mar estrategicamente vizinha à casa de veraneio do político. Para Morra, chegar até “ele” —Berlusconi raras vezes é referido pelo nome— é uma garantia de acesso às benesses do poder.
Esta não é a primeira vez que Sorrentino mergulha nos bastidores da política de seu país. Em “O Divo”, de 2008, ele narra o ocaso de Giulio Andreotti, sete vezes primeiro-ministro acusado de manter laços com a máfia.
Contido e discreto, sua figura é antípoda àquela do bufão Berlusconi e de sua “nova política” personalista e espetaculosa —o primeiro de uma linhagem a que alguns analistas dizem pertencer Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Na tela, tanto Berlusconi quanto Andreotti são interpretados por Toni Servillo.
“Andreotti não mostra quase nada na superfície”, descreve o ator, por telefone. “Já a extroversão de Berlusconi é uma de suas armas vencedoras.”
É esse homem carismático, com pinta de invencível, que move o segundo ato do filme.
Bronzeado e plastificado, ele se arma de um sorriso indecifrável para enfrentar o tédio que sucede o fim do mandato e a apatia da mulher, que ele tenta reconquistar.
A máscara esmaece, contudo, quando ele percebe ter atingido a velhice, tema que se repete na obra de Sorrentino.
Em uma cena, o personagem faz uma investida em uma jovem de 20 e poucos anos. Recebe como resposta que ela não quer dormir com ele porque seu hálito lembra o de seu avô: “Não é perfumado nem malcheiroso. É apenas o hálito de um velho”.
O retrato humanizado desse “totem da imortalidade”, nas palavras de Servillo, rendeu ao longa críticas desfavoráveis. Afinal, o homem mais poderoso da Itália, condenado por corrupção e envolvido em escândalos sexuais, merece a leniência de um diretor?
“Quem não deveria ser indulgente com os políticos não é Sorrentino, um cineasta, mas a imprensa”, rebate Servillo.
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