Marco zero da arquitetura modernista no país ganha sopro de vida com exposição

Fotografias de construções de SP afiliadas ao movimento dialogam com espaço da Casa Modernista, à espera de reformas

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São Paulo

​Apesar de ter batizado a exposição que apresenta na Casa Modernista, na zona sul da cidade, de “Sotaques Paulistanos da Bauhaus”, o fotógrafo Leonardo Finotti afirma que os prédios imponentes que retrata na mostra não são exatamente herdeiros da escola de design alemã. Há cem anos, ela revolucionou o design e a arquitetura ao prescrever linhas simples, retas, e forma aliada à função.

“Só a primeira sala é mais Bauhaus”, diz o artista, apontando para as duas imagens que ocupam um lobby amarelo. “No fundo, a Bauhaus é mais uma manifestação do movimento moderno, como foram o suprematismo russo ou o o holandês De Stijl. Queria entender como ele reverbera aqui.”

A mostra ocupa a primeira construção modernista do país. Erguida em 1927 pelo ucraniano Gregori Warchavchik, a casa passou por maus bocados nos últimos anos —uma reportagem do ano passado do jornal Agora, do Grupo Folha, encontrou pinturas e pisos desgastados pelo tempo e ferrugem nas janelas.

Não é o caso hoje, embora a construção permaneça vazia, despojada dos móveis originais, o jardim, descaracterizado, e a casa anexa, antes uma área de lazer, em ruínas.

Diretor do Museu da Cidade, órgão da Prefeitura que administra o imóvel, Marcos Cartum afirma que aguarda a liberação de recursos para executar um projeto de requalificação na casa, já aprovada nas três instâncias. “É um patrimônio que está esperando para ser cuidado da forma como merece”, comenta.

Inaugurada na avalanche da SP-Arte/Foto no Shopping JK Iguatemi que começa nesta quarta (21), a exposição é, assim, uma tentativa de habitar a casa vazia à espera de reformas.

Pensando nisso, Michelle Jean de Castro, que assina a expografia, optou por uma maneira de exibir as fotografias que dispensa pregos e parafusos ou uma iluminação especializada.

Na maioria dos casos, isso se traduziu em escoras, peças usadas na construção civil para sustentar lajes, aqui usadas para amparar fotografias de 80 x 80 cm em preto e branco.

Em outros, porém, as imagens dialogam de maneira mais direta com a arquitetura de Warchavchik.

Uma fotografia da passarela arborizada do Parque da Juventude se funde ao jardim da casa, pendurada em frente a uma janela. Colado ao teto, um registro das colunas do Sesc Pompeia forçam os visitantes a olharem para cima. Imagens aéreas, como uma do jardim de Burle Marx no prédio do Banco Safra, na avenida Paulista, são colocadas em caixotes próximos ao chão, para que os espectadores simulem o ponto de vista dos drones e pássaros.

Além disso, as legendas das fotos não apresentam os autores originais dos projetos arquitetônicos, lista que engloba de Oscar Niemeyer a Lina Bo Bardi, de Burle Marx a Paulo Mendes da Rocha.

Em vez disso, elas identificam nomes de elementos recorrentes nos construções modernistas da cidade, como passarelas, marquises e brises. Elementos que, argumenta Finotti, arquiteto de formação, fazem inclusive mais sentido no Brasil, onde faz sol o ano inteiro, do que na Europa, local em que o movimento nasceu nos anos 1920.

Apesar de comporem uma verdadeira ode a esse modernismo brasileiro —cujos exemplares mais importantes se concentram na utopia de Brasília e no brutalismo desenvolvimentista de São Paulo, segundo o fotógrafo— algumas das fotografias da mostra acabam por revelar o estado decadente de algumas das construções.

Nesse sentido, a garagem de barcos do Iate Clube de Santa Paula, em Interlagos, projetada por Vilanova Artigas, é um dos casos mais emblemáticos. A obra está coberta de pichações e foi invadida pelo mato. A marquise do Parque Ibirapuera de Oscar Niemeyer, em ótimo estado no clique de Finotti de 2013, é outra que o fotógrafo diz estar em estado de atenção hoje.

Há cerca de 15 anos registrando obras de arquitetos brasileiros, o artista conta que começou o trabalho em parte para preservar esse pedaço da história do país. “O que diferencia um lugar desenvolvido e um subdesenvolvido é a memória”, afirma.

Leonardo Finotti

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