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Mário de Andrade ganha biografia de fôlego, que faz correções históricas

'Em Busca da Alma Brasileira' contesta papel de Oswald na introdução da vanguarda no país

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São Paulo

Em vez de um intelectual reprimido e casmurro, Mário de Andrade gostava de festa. Já bem jovem, se dedicava com esmero a uma fantasia de pierrô para pular o Carnaval. Já mostrava desde criança um temperamento inconformista, apesar de ser carola de doer. Mais velho, seria poeta, prosador, crítico, folclorista, bibliófilo —virou clichê falar que ele era “trezentos, trezentos e cinquenta”, mas é por aí.

Um dos pais do modernismo e intelectual responsável por ajudar a mudar os rumos da arte brasileira, Mário ganha sua biografia de maior fôlego, pelas mãos do jornalista Jason Tércio. Fruto de uma pesquisa iniciada nos anos 1990, o livro foi anunciado e adiado diversas vezes ao longo dos últimos anos, mas agora chega às livrarias.

Mário morreu em 1945 e, de lá para cá, muito se fofocou sobre por que não havia livros sobre a vida dele. O alegado motivo corria à boca pequena: ninguém queria mexer no vespeiro da suposta homossexualidade do autor e desagradar seus parentes ainda vivos.

A nova biografia tira esse assunto do caminho de uma vez. O livro revela H. —não identificado pelo nome—, um rapaz da congregação católica da qual Mário era membro, com quem o modernista pelo visto teve um caso. “Não se esqueça de mim, Mário, sou infeliz e feliz por te possuir”, diz H. em uma das cartas ao modernista, nas quais se derrete.

Mas, em cartas, falava também de relações com mulheres. Antes do modernismo, se metia nos randevus da rua Líbero Badaró. Seu grande amor platônico foi Maria da Glória Capote Valente, filha de um grande advogado da cidade. Amou também uma moça chamada, acredite, Eglantina.

“[A sexualidade] é um aspecto irrelevante em um cara que teve uma vida épica. Esse foco sexual serve para desviar do mais importante, que é o papel intelectual dele”, diz Tércio, que no livro se refere a H. como “amigo íntimo”.

O que surge na biografia é um retrato detalhado de Mário. E, como é comum em trabalhos assim, há correções históricas. Como a história, por exemplo, de que o autor e Oswald se conheceram só em 1917 —mas eles frequentavam os mesmos locais já antes disso.

Outra: Oswald não trouxe o “Manifesto Futurista” para o Brasil, como se fala, o que faria dele o introdutor da vanguarda no Brasil. Primeiro, porque se havia algo que futurista fazia era manifesto, não havia só um.

Segundo, Oswald não escreveu nada sobre o futurismo depois de voltar da Europa —pelo contrário, até elogiou um pintor figurativo.

O biógrafo também detalha a participação de Mário na Revolução Constitucionalista de 1932, escrevendo textos anônimos no “Jornal das Trincheiras” —com uma análise de estilo, Tércio aponta textos
que provavelmente são dele.

Além da Semana de 1922, o livro passa por outros momentos da vida do modernista —o trabalho com o folclore, a criação do Departamento de Cultura de São Paulo, sua demissão de lá, o período deprimido no Rio de Janeiro etc.

O biógrafo vê as metas traçadas pelo modernismo como bem-sucedidas. Pelo menos culturalmente.

“O Brasil era agrário. Aí surge um grupo antenado com a cultura europeia. Hoje a cultura brasileira está solidificada. Mas o Estado, como diria o Mário, não é nem parnasiano, ele é um dinossauro, com burocracia patética, privilégios corporativos e instituições inchadas. É um descompasso: um país com cultura moderna e institucionalidade arcaica.”
 

Em Busca da Alma Brasileira - Uma Biografia de Mário de Andrade

  • Preço R$ 79,90 (544 págs.)
  • Autor Jason Tércio
  • Editora Estação Brasil
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