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Livros

Mia Couto e Agualusa abusam de lirismo pueril e adocicado em obra

Palavras gastas, como passarinhos, nuvens, criança, sonhos, espelho e esperança surgem em profusão

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Daniel Benevides

O Terrorista Elegante e Outras Histórias

  • Preço R$ 41,90 (176 págs.)
  • Autor Mia Couto e José Eduardo Agualusa
  • Editora Tusquets Editores

O moçambicano Mia Couto e o angolano José Eduardo Agualusa são pródigos em pôr a poesia no meio da prosa, como se a prosa não fosse suficiente em si mesma, ou como se precisasse haver mais melodia no ritmo pedestre das frases. 

Até aí, nenhum problema, ainda que se possa torcer o nariz para o realismo mágico que praticam (em graus variados de realismo e “magia”).

Há inúmeros casos de prosa poética de altíssimo nível —os próprios Couto e Agualusa já o fizeram. Mas o livro novo, escrito a quatro mãos, abusa de lirismos pueris e oxímoros. 

Palavras gastas, como passarinhos, nuvens, criança, sonhos, espelho e esperança surgem em profusão —e mesmo quando não, dão a impressão de pairarem sobre o texto. 

Na entrevista incluída no livro, Couto chega a dizer: “Quando quero escrever um romance, aparece-me poesia, encaro a prosa como um filho que resta”. A frase está meio fora de contexto, mas dá ideia dessa fronteira tênue.

O primeiro dos três contos, que dá título ao livro, é sintomaticamente o pior. Foi o único que escreveram lado a lado, “rindo e apostando na negação da ideia de que a criação literária é sempre um ato 
profundamente solitário”. 

Borges e Bioy Casares criaram contos divertidos juntos, mas não é o caso aqui. É difícil encarar o tal terrorista quando ele se põe a conversar com um passarinho na cela. Mais difícil ainda quando o passarinho responde. O cinismo —praga atual— bate à porta com força. É tentador abri-la.

 
O escritor moçambicano Mia Couto, em São Paulo - Marcus Leoni/Folhapress

Os textos seguintes foram feitos por trocas de mensagens, a partir de uma encomenda de um grupo teatral português. São melhores, com características semelhantes.

“Chovem Amores na Rua do Matador” conta a história de um sujeito que confessa seus crimes antes de cometê-los. A premissa é interessante, mas há muitas frases com rimas, aliterações e imagens fáceis, como “dei-lhes anos e elas devolveram-me enganos” ou “cova é o invés de um ovo”. Até a dupla amor e morte dá o ar da graça: “quase rimam, palavras tão priminhas”.

O repertório é limitado. O passarinho pula do primeiro conto e reaparece: “Alguém já viu passarinho envelhecer? Se voássemos, haveríamos sempre de ser crianças”.

O escritor angolano José Eduardo Agualusa - Bruno Santos/Folhapress

Conceito nostálgico de pureza, a infância aparece a todo momento como ponto de fuga. Na perspectiva, um pouco mais distante, no entanto, há nosso aprendiz de assassino. Quer matar as mulheres que o deixaram; eliminar, em carne e osso, as lembranças. Mas até seus “ódios bem temperados” perdem força na prosa adocicada de Couto-Agualusa. 

No conto final, “A Caixa-Preta”, temos uma releitura curiosa de “Chapeuzinho Vermelho”. A cidade está em meio a tiros e escuridão, e um vulto com máscara de lobo invade a casa da jovem Vitória e sua avó Luzinha. Quem seria esse lobo? E o que ele quer? 

Há algo nele do estranho-familiar (ou inquietante) freudiano. Mesmo que os símbolos sejam um tanto óbvios, a situação é bem desenvolvida e prende a atenção. Em comparação com os outros, esse texto tem a vantagem de surpreender no desfecho e criar alguma tensão. No mais, ainda que tudo possa ser visto como uma brincadeira entre amigos, ouve-se baterem à porta, insistentemente.

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