Descrição de chapéu

Mostra evita tentação de tornar cidade de Marepe metáfora do país

Para o artista, lugarejo no Recôncavo baiano e arte são equivalentes, locais em que improvisação ocupa primeiro plano

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Marcos Pedro Rosa

MAREPE: ESTRANHAMENTE COMUM

  • Quando Seg. e qua. a dom.: 10h às 17h30. Até 28/10
  • Onde Pina Estação - Lgo. Gen. Osório, 66, Santa Efigênia
  • Preço Grátis

A Pinacoteca é o museu paulistano responsável por narrar a história da arte brasileira, e Marepe é um artista conhecido por empregar objetos cotidianos, próprios da sua cidade natal —Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano— , para construir esculturas e instalações. A expectativa era, portanto, que o museu fizesse desse artista uma reflexão sobre a arte no nosso país. Mas não é isso que a Pinacoteca faz.

A curadoria, assinada por Pedro Nery, privilegia os procedimentos lúdicos que Marepe emprega e divide a mostra em três salas estruturada em torno dos conceitos de mover, transformar e condensar. Com isso, o museu escapa da tentação de fazer a cidade do artista soar como uma metáfora de todo o nosso país e o que surge, ao longo dos três ambientes, é uma cartografia de memórias muito pessoais de Marepe, reminiscências que só existem enquanto ele as usa para brincar.

Mover é um artifício próximo do que faziam os artistas do neodadaísmo. Nessa sala, há obras de arte que retratam ou apresentam objetos de uso popular que, removidos de seu contexto ordinário, transformam-se —uma escultura que é uma enorme TV, os filtros de barro montados como colunas.

Há um caminhão de mudança feito com marcenaria, mesma técnica que Marepe usou para esculpir uma casa dobrável —artifício parecido com aquele utilizado por Jasper Johns, artista pop que fundiu, em bronze, duas latas de cerveja.

Mas se o bronze, pela nobreza do material, indicava a distância entre o mundo da arte e o da cerveja, os materiais de Marepe nos são corriqueiros, como a madeira compensada ou a cerâmica barata. A escala é importante, objetos pequenos são apresentados como gigantes e os grandes são diminuídos.

A casa, por ser dobrável, pode ser levada para qualquer canto, tal como fazemos com as lembranças. Quando dobrada, ela é uma caixa; para cada posição, seja aberta, meio aberta ou fechada, ela tem um tamanho diferente. Quase todos os procedimentos que Marepe emprega em seu trabalho estão condensados nessa obra.

Em outra sala, há uma esfera enorme feita de baldes, que está próxima a um enfileiramento sinuoso de lâminas de enxadas pelo chão. Esse recinto indica as brincadeiras de montar, com as quais o artista transforma objetos banais em esculturas geométricas ou conceituais.

A relação da terceira sala com os surrealistas é sugerida pela própria curadoria. São obras que condensam ideias diferentes num procedimento de livre associação, como na sequência de fotografia do artista sob as nuvens, que ergue, com a mão, um tufo de algodão doce e funde a imagem da guloseima com a do fenômeno atmosférico.

No horizonte de Marepe, há um mesmo sentido para o mundo artístico e para a cidade onde ele mora —ambos são ambientes lúdicos, nos quais a improvisação está em primeiro plano. O mundo desse artista é doce e rico. Por tabela, o mundo da arte, no qual ele faz sentido, também o é.

Ambos são espaços e pretextos para a brincadeira e, ao visitante paulistano, é impossível que a mostra não soe como a memória daquela cidade distante, onde brincávamos na rua e onde viviam os pais, os avós e a infância.

 
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