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'Nada a Perder 2' teria tudo a ganhar com um bispo Edir Macedo menos glorificado

Está para nascer homem que responde a tantas injustiças com a altivez do líder da Universal

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Nada a Perder 2

  • Classificação 12 anos
  • Elenco Petrônio Gontijo, Day Mesquita, Beth Goulart
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Alexandre Avancini

Tá, vai. Não é choque algum uma cinebiografia autorizada que seja benevolente com seu retratado. "Nada a Perder 2", contudo, estica bastante essa corda. 

Está para nascer homem que responde a tantas injustiças com a altivez do bispo Edir Macedo. Ah, espera. Pelo tom que " Nada a Perder – Parte 2 " adota para contar os altos e baixos de sua vida, fica a impressão que já até nasceu um, sim: 2019 anos atrás. 

Esta segunda parte do que será uma trilogia sobre a trajetória do bispo emula um remake da via crúcis de Jesus Cristo. O vasto acervo de polêmicas que acompanharam a ascensão de Macedo como um dos maiores líderes evangélicos do Brasil está lá. Tudo intriga da oposição, "Nada a Perder 2" tenta te convencer a cada minuto. É como se ele fosse alvo de fake news antes de isso ser cool. 

Por exemplo: em 1995, um bispo dissidente divulgou um vídeo em que o fundador da Igreja Universal do Reino de Deus ensina colegas a tirar dinheiro dos fiéis. Macedo se ajoelha para contar o dízimo arrecadado, as cédulas espalhadas no chão. Olhando para a câmera, coloca a língua para fora e sorri.

Foi um auê, e uma das muitas vezes em que a Rede Globo (que no filme vira a fictícia RGB) usou seus espaços mais nobres para atacar a igreja daquele que, vale lembrar, era dono da concorrente Record. À época, foram quase nove minutos para abordar a história no Jornal Nacional. 

A produção de 2019 dá uma versão diferente para o episódio: eram só notas de US$ 1, e Macedo contava o dinheiro no chão porque eles não tinham dinheiro para comprar uma mesa. Tudo serviria para pagar o aluguel do templo e poder, assim, espalhar a palavra de Deus. Isso a Globo não mostra.

A trinca de vilões de "Nada a Perder 2" é tão caricata quanto russos malvados na Hollywood da Guerra Fria. Um membro da alta cúpula católica e um juiz e um senador, que depois se revelam corruptos, fazem de tudo para perseguir Macedo.

A produção traz várias vacinas para pontos que já viraram munição contra o bispo e seu império religioso. Até o casamento de uma filha de Macedo é justificado: um bispo bobão, o mesmo que depois romperia com a Universal e espalharia a gravação da contagem do dízimo, sugere que não pega bem bancar uma festança tão luxuosa. 

Mas se o líder religioso tem um patrimônio polpudo é porque ganha direitos autorais de seus livros, nada a ver com a fake news de que enriqueceu explorando o povo, indica a cena.

No primeiro "Nada a Perder", essa perseguição implacável contra o sempre tão pio homem de Deus termina na prisão do bispo, acusado de charlatanismo e estelionato. Ele, por sinal, deu uma aula de marketing naquele 1992: em vez de se mostrar abatido, deixa-se fotografar lendo a Bíblia atrás das grades. O perfeito mártir.

Nesta sequência, o protagonista diz perceber que o pior ainda está por vir. Certo está.

Vejamos a cena inicial. O ano é 1995, e a coisa está feia para a Universal. Um de seus bispos chutara uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil para os católicos, e bem no dia dela, 12 de outubro. Tudo foi ao ar na Record.

Contexto: adorar ídolos e santos vai contra o desígnio de Deus, segundo a ótica evangélica.

Chove muito, e uma fiel corre apavorada de um grupo de homens. Acuada num beco, recebe socos e chutes, não sem antes ouvir "maluca fanática" dos brucutus. Cai no asfalto, na pose da crucificação. 

A Folha Universal, jornal distribuído nas igrejas de Macedo, fez uma longa reportagem de quatro páginas sobre a cinebiografia. Nela, o episódio ganha outra narrativa. 

Fala-se num "ex-bispo" que "tocou com o pé" a estátua de Aparecida. Tudo bem que não foi uma bicuda do Cristiano Ronaldo, mas não foi tão gentil assim.

Seguem-se anos difíceis para Edir Macedo, que incluirão a morte de sua mãe e a de mais de 20 fiéis, após o teto de um templo em condições irregulares desabar em Osasco (SP). A dramatização dos fatos, essa prerrogativa da ficção, reforça a ideia de que todos estão contra o bem-intencionado bispo. Até a aeromoça deixa café cair em seu colo de propósito.  

A questão é que o tal chute na santa trincou a imagem da Universal, mas não a quebrou, como seus inimigos previam na época. Macedo dá a volta por cima e, em 2014, recebe as mais altas autoridades do mesmo país que, segundo ele, o humilhou: todos convidados na inauguração da obra mais ambiciosa da Universal, a réplica do Templo de Salomão. 

Sabe aquela lenda de que os esquimós discernem mais tipos de brancos do que o resto da humanidade? Em crítica para "Nada a Perder 1", escrevi que o filme era chapa-branca como um comercial de alvejante.

Esta continuação revela que são várias as formas de lavar uma história até ela adquirir a coloração desejada. É difícil acreditar que a saga de Edir Macedo, sem dúvida um dos personagens principais das últimas décadas do Brasil, seja tão limpinha. Assim como não é justa essa imagem de vigarista inescrupuloso que muitos têm dele. 

"Nada a Perder 2" só teria a ganhar com um protagonista mais multifacetado.

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