Descrição de chapéu Artes Cênicas

No meio da lama, atriz Amanda Lyra acumula indicações a prêmios

É estranho comemorar conquistas pessoais com todo o desmantelamento que está acontecendo na cultura, diz

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Mariana Marinho
São Paulo

No meio da lama, uma intérprete segura um prêmio de melhor atriz. Ou, ainda, em um teatro em ruínas, a mesma intérprete ergue a estatueta. São essas as imagens que passam pela cabeça da atriz paulista Amanda Lyra, 37, quando pensa no reconhecimento que seu trabalho tem recebido em premiações.

Por seu monólogo “Quarto 19”, adaptação do conto da britânica Doris Lessing com direção de Leonardo Moreira, Amanda foi indicada a melhor atriz pelos prêmios Questão de Crítica (2019), APTR (2019), Shell (2018) e Aplauso Brasil (2017). 

“Claro que não dá para ser blasé e dizer que não ligo para as indicações. Fiquei super feliz. Mas estamos num momento do país em que é um pouco estranho comemorar conquistas pessoais com todo o desmantelamento que está acontecendo principalmente na educação e na cultura”, diz Amanda. 

Na adolescência, quando iniciava seus estudos em interpretação em São José do Rio Preto, sua cidade natal, ela chegou a ganhar o prêmio de melhor atriz no festival de teatro amador de Jales.

“Era uma peça infantil inspirada na história da Branca de Neve. Eu fazia a rainha má, óbvio, não nasci para fazer a Branca de Neve, não tenho perfil”, brinca a atriz, que leva para o palco o olhar atento e o humor insólito e despretensioso que tem no dia a dia.

Após temporadas de seu solo em São Paulo, Rio e Porto Alegre, a artista emendou duas produções.

Integrou, nos últimos meses, o elenco de “Mãe Coragem”, adaptação de Daniela Thomas para “Mãe Coragem e os Seus Filhos”, texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, e de “Fim”, espetáculo dirigido por Felipe Hirsch.

A montagem, que também lhe outras duas indicações por sua atuação, desta vez aos prêmios APCA (2019) e Aplauso Brasil (2019), tem apresentações previstas para o ano que vem em Buenos Aires e Lisboa.

“Nos improvisos [durante o processo criativo de ‘Fim’], a Amanda trouxe ideias com uma potência e uma qualidade acima da média. Ela tinha uma consciência muito grande de todo o trabalho”, diz Hirsch.

Antes de chamar a atenção de críticos e jurados, “Quarto 19”, que volta ao cartaz em setembro no teatro Eva Herz, já havia ganhado o boca a boca do público não especializado principalmente por ressoar questões em voga no debate contemporâneo, como a liberdade da mulher e a sua relação com o casamento e a maternidade.

“Estamos num momento delicado em que se nós, artistas, não fizermos um esforço de nos comunicar com as pessoas, vamos voltar para o porão e deixar de existir. Não estou falando de abrir as pernas, mas sim de encontrar maneiras de ter uma pesquisa artística e, ao mesmo tempo, não realizar um trabalho hermético”, explana.

O solo levou sete anos para acontecer: o projeto começou a ser concebido em 2010 por Amanda, que também retraduziu o texto, mas só estreou em 2017. “O texto ficou mais urgente e maduro para mim e para ela, que se tornou mãe, por exemplo”, conta o diretor Leonardo Moreira. Na trama, uma mulher casada e com três filhos começa a se incomodar com sua vida doméstica.

Apesar de ser visto como um trabalho feminista por abordar questões do universo feminino, a artista ressalta que é importante olhar a obra para além das pautas identitárias. “Sou feminista e a peça foi referência para mim e outras pessoas nesse sentido, mas muitas vezes os trabalhos de mulheres caem num aprisionamento de que precisam estar dentro de um segmento de gênero para existir e ser validado”, reflete.

Para Moreira, a peça poderia ser um drama panfletário. “Mas a Amanda, com seu humor e sua inteligência cênica, criou um certo distanciamento, como se ela olhasse a história de fora e, ao mesmo tempo, estivesse vivendo aquela experiência que é muito íntima e próxima à ela”, completa.

A pulsão idealizadora presente em “Quarto 19” é algo que acompanha a atriz desde o começo de sua carreira, quando, após se formar em administração pública na Fundação Getulio Vargas, ingressou na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo.

Apesar de ter tido seus próprios grupos, o Lasnoias e Cia dos Outros, que montou ao lado de pessoas como a pesquisadora e diretora Silvana Garcia e a atriz e diretora Carolina Bianchi, e de ter trabalhado com coletivos como a Cia Hiato e o Tablado de Arruar, Amanda preferiu seguir por um caminho de parcerias independentes. ​

“Esses grupos foram essenciais na minha formação, mas eu não conseguia me ver numa estrutura fixa. Tinha minhas vontades. Sempre li muita coisa, principalmente literatura, e queria produzir esses textos”, relembra. 

É principalmente da ficção literária que a intérprete extrai o material para sua criação cênica. Já chegou a trabalhar com textos de autores como o argentino Julio Cortázar e os americanos Donald Barthelme e David Foster Wallace. Até o nome de seu filho, Ulisses, que tem com o escritor Roberto Taddei, veio do personagem de uma obra literária, o romance “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, de Clarice Lispector.

“A Amanda tem uma coisa com a palavra. Sempre que eu descubro uma escritora ou um escritor contemporâneo que tem algo de violento e de um humor sofisticado, eu me lembro dela”, comenta a artista Carolina Bianchi, que trabalhou ao seu lado em peças como “A Pior Banda do Mundo”.

Lyra vem pensando qual será seu próximo projeto. Já foi para vários lugares, mas ainda não encontrou.

Tem, porém, indagado o porquê de se fazer teatro. “Há um lado meu esperançoso que acredita que o teatro é a arte do passado e do futuro. No meio do caos e da guerra, enquanto tiver um espectador e um ator, existe teatro. Não é pelo ego, pelo prêmio e para ser cool que a gente faz arte. É para falar com pessoas que vão além de um pequeno grupo de iniciados”, diz.

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