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Pilantras e cascas-grossas povoam crônicas de autor inédito no país

Narradores de 'Eles e Elas: Contos da Broadway' conversam com leitor como se ele fosse um parceiro de copo

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Eles e Elas: Contos da Broadway

  • Preço R$ 82,90 (272 págs.)
  • Autor Damon Runyon (tradução: Jayme da Costa Pinto)
  • Editora Carambaia

Nos ensaios do ótimo “A Arte da Ficção”, David Lodge sugere que os escritores americanos, para escapar às tradições literárias herdadas da Inglaterra e da Europa, onde tudo era levado mais a sério, investiram no humor.

O primeiro nome que vem à cabeça é o de Mark Twain. Além de sempre engraçada (mesmo que, no fim vida, o autor responsável por “Huckleberry Finn” tenha assumido tons sombrios), era uma prosa bastante coloquial.

Na vertente humorística, o mais bem-sucedido dos herdeiros do Mark Twain foi Damon Runyon, que a editora Carambaia oferece pela primeira em tradução ao leitor brasileiro com a coletânea “Eles e Elas: Contos da Broadway”. Melhor tarde do que nunca, e quem ri por último ri melhor.

Entre nós, Runyon só aparecera antes em antologias: “Contos Norte-Americanos”, das Edições de Ouro, e duas organizadas por Flávio Moreira da Costa (“Os 100 Melhores Contos de Humor da Literatura Universal” e “Os Melhores Contos de Cães e Gatos”). O bom é que os relatos escolhidos por Costa não integram o volume da Carambaia.

Os jejunos na língua da Broadway fizeram de “Os Apostadores de Cavalo Morrem Tesos” —uma tradução de 1966, publicado pela portuguesa Edições 70— uma raridade garimpada em sebos.

Como Runyon era chegado em testar a sorte nas patas dos cavalinhos, segue uma informação de cocheira: Ruy Castro sempre planejou traduzi-lo, como fizera ao apresentar Dorothy Parker e H. L. Mencken e, antes deles, os textos de Woody Allen, mas não encontrou tempo. Ainda.

Nascido na interiorana Manhattan do Kansas, jornalista esportivo especializado na cobertura do time de beisebol dos New York Giants, Damon Runyon (1884-1946) ficou conhecido por ambientar suas histórias de ficção na cosmopolita Nova York dos anos 1920 e 1930, época da Depressão e da Lei Seca, mas também de efervescência no teatro musical.

Seu posto de observação era o restaurante-delicatessen Lindy’s. Lá, ele via desfilar seus personagens, um notável elenco de jogadores, gângsteres, cantores, coristas, contrabandistas, pugilistas, batedores de carteira, leões de chácara, malandros e bebuns em geral. Todos maravilhosamente cascas-grossas.

Marlon Brando, Jean Simmons, Frank Sinatra e Vivian Blaine em 'Garotos e Garotas'
Marlon Brando, Jean Simmons, Frank Sinatra e Vivian Blaine em 'Garotos e Garotas' - Divulgação

Os contos de Runyon, publicados em revistas do grupo de William Randolph Hearst (o magnata de imprensa que inspirou o clássico “Cidadão Kane”, dirigido por Orson Welles), agradaram em cheio e renderam muita grana para o escritor queimar em apostas. E logo chegaram ao cinema.

“A Pequena Srta. Marky” transformou Shirley Temple em estrela mirim. “Madame La Gimp” virou “Dama por um Dia”, com Bette Davis no papel principal na versão de 1961. “O Idílio da Srta. Brow” e “Pressão Sanguínea” foram reunidos no musical “Guys and Dolls”, cuja adaptação na tela grande, “Garotos e Garotas”, vestiu Marlon Brando e Frank Sinatra de ternos riscadinhos.

Mas o que chama a atenção em Damon Runyon, e lhe valeu a permanência até os dias de hoje, é a maneira de contar. A narrativa sempre em primeira pessoa, dando a impressão de um relato espontâneo, e em linguagem que mais lembra a fala que um texto escrito, como se o leitor fosse uma ouvinte. Alguém que você encontra e com quem toma uma bebida —num lugar chamado Lindy’s, por exemplo.

Desnecessário dizer que um estilo assim, para funcionar perfeitamente, é resultado de esforço bem calculado ou de extraordinário talento.

Jayme da Costa Pinto, responsável pela seleção, tradução e prefácio de “Eles e Elas”, nota que o autor faz “uso praticamente exclusivo, quase obsessivo, do presente do indicativo”. É como se no mundo de Runyon, assinala o tradutor, o passado não tivesse vez.

Por sua qualidade, Runyon, sem nunca ter desprezado o leitor comum, se tornou um escritor de escritores.

Saul Bellow e Philip Roth estavam entre seus admiradores. Júlio Cortázar o considerava o maior contista americano. João Ubaldo Ribeiro se inspirou nele para fazer as histórias de “Já Podeis da Pátria Filhos” e o livro póstumo “Noites Lebloninas” —e olha que Ubaldo só perdia seu tempo para ler Homero, Shakespeare, Rabelais...

Escrevendo sobre pilantras e pintas-brabas, Damon Runyon chega ao Brasil à vontade. Por assim dizer, de havaianas.

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