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Poeta nórdico, de idioma quase secreto, mira o papel encantatório das palavras

Antologia 'Nona Manhã' apresenta, em versão bilíngue, os poemas de Carl Jóhan Jensen, nascido na Ilhas Faroë

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Nona Manhã

  • Preço R$ 35,00 (80 págs.)
  • Autor Carl Jóhan Jensen (tradução: Luciano Dutra)
  • Editora Moinhos/Sagarana



As Ilhas Faroë são um pontinho entre Islândia, Noruega e Escócia. Pertencente à Dinamarca, mas com língua própria, o pequeno arquipélago, com paisagens deslumbrantes, tem mais ou menos 47 mil pessoas que falam o feroês, idioma próximo ao islandês. 

Para nós, que vivemos num país com 200 milhões de habitantes, uma mesma língua e certo isolamento linguístico, pode soar quase como capricho pensar num idioma distante com tão poucos falantes.

Mas a coisa muda —pelo menos um pouco— se um livro de poesia de lá é editado por aqui. A antologia “Nona Manhã” apresenta, em versão bilíngue, os poemas de Carl Jóhan Jensen, autor nascido em 1957, na capital feroesa Tórshavn.

É bem provável que haja tantos leitores de poesia no Brasil quanto nas Ilhas Faroë, diria jocosamente o poeta matemático Hans Magnus Enzensberger para quem a poesia, independendo do número de habitantes do país, teria sempre a mesma quantidade de leitores.

O poeta Carl Jóhan Jensen
O poeta Carl Jóhan Jensen - Divulgação

Diante do novo público, quais temas Jensen cantará em seu quase secreto idioma? Pouco importa. O que chama atenção é que, escrevendo sobre qualquer assunto, o poeta impõe sua diferença. Que bom, porque a diversidade costuma fazer bem à poesia. 

O autor participou em 2017 da Feira do Livro de Porto Alegre, onde abordou a tardia tradição literária feroesa —de cerca cem anos —e a importância que ela teve e tem na autonomia do arquipélago.

O leitor não vai se deparar com textos de feição identitária. A ação política de Jensen vai noutra direção. Seus poemas parecem se concentrar mais no papel encantatório das palavras, papel que o tradutor, Luciano Dutra, compara ao de Odin, deus da mitologia nórdica.

Um tipo especial de gagueira faz com que nossa escuta se volte para a concretude da língua. Quanto a tal aspecto, Guðrun Gaard, no posfácio, fala da obra de Jensen como sendo “quase barroca com sua linguagem torneada”.

Quem sabe, isso explique algumas das escolhas tradutórias de Luciano Dutra ao lançar mão de vocabulário exótico (“primevo”, “cambia”, “antigualhas”, etc.), sem contar regionalismos e arcaísmos (“nubarrão” e “u’a molher”).

Um dos títulos de livros de Jensen chega mesmo a ser traduzido de duas formas na antologia: “Setembro nas bétulas que quiçá são azuis” e “Setembro nas bétulas que talvez sejam azuis”. 

Parece pequena, mas a distância entre a simplicidade do “talvez” e o preciosismo do “quiçá” resume bem o dilema de Dutra. Agruras do tradutor em busca da tal “linguagem torneada”.

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