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População negra está faminta por representação, afirma escritora nigeriana

Oyinkan Braithwaite criou trama em que mulher mata os seus namorados no livro 'Minha Irmã, a Serial Killer'

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São Paulo

A aranha viúva-negra, conhecida pelo comportamento das fêmeas, que matam e devoram os machos depois do ato sexual, inspirou a nigeriana Oyinkan Braithwaite a escrever “Minha Irmã, a Serial Killer”, seu primeiro romance que ganhou edição brasileira neste ano.

“Nunca se sabe o que vai chamar a sua atenção. A viúva-negra chamou minha atenção e ficou na minha cabeça por pelo menos dez anos até eu começar o livro, em 2017”, afirma Braithwaite, que estudou escrita criativa na Universidade Kingston de Londres.

A escritora conversou com a reportagem durante a sua passagem pelo Brasil para participar da Festa Literária Internacional do Pelourinho, a Flipelô, em Salvador, e da Pré-Balada Literária, em São Paulo.

Em “Minha Irmã”, a atraente Ayoola mata seus namorados e recorre à irmã mais velha, Korede, uma enfermeira metódica, para limpar a bagunça e esconder os crimes.

Depois de esboçar a história em poemas, a autora concluiu uma novela pequena, que publicou por conta própria.

Para não cair no esquecimento dos agentes literários, mandou uma cópia a uma editora local. O trabalho agradou e, em um mês, ela transformou a novela em um romance, publicado na Nigéria e, em seguida, nos Estados Unidos e no Reino Unido. 

Ayoola e Korede têm laços fortes, que nascem da conturbada relação com um pai violento e uma mãe negligente.

“Quando experimentamos um trauma, sentimos que ninguém mais no mundo entende o que passamos, exceto aquelas pessoas que estiveram na situação com você. Mesmo que a relação entre essas irmãs seja danosa em vários momentos, é também indestrutível. Elas criaram sua própria bolha para que pudessem sobreviver num mundo que é duro com elas”, afirma.

Ayoola descreve para a irmã de maneira confusa as situações que a levam a cometer os crimes. Isso faz o leitor ficar no papel de decidir se ela é ou não merecedora da ajuda de Korede, que sempre se apresenta contrariada, mas disposta a salvar a pele da caçula.

“Minha teoria sobre Ayoola é que houve uma primeira vez em que o namorado assassinado fez algo para ela, e, a partir desse momento, ela pegou gosto pela coisa”, diz Braithwaite. O livro ganha mais velocidade e momentos de tensão quando a irmã mais nova passa a flertar com o médico pelo qual Korede é apaixonada. 

Segundo a autora, escrever um livro sobre uma serial killer na Nigéria foi arriscado. 

“Eu nunca havia visto isso. Nigerianos gostam mais de drama e somos um povo muito religioso. A possibilidade de rejeição era grande. Mas, quando comecei a escrever, pareceu funcionar muito bem. Foi divertido imaginar como seria se um caso desses acontecesse no meu país”, conta a escritora, fã de séries policiais.

O livro foi o único romance de estreia entre os finalistas do Booker Prize deste ano, e os direitos de adaptação para o cinema já foram comprados.

“No mundo todo, vejo que mulheres negras, especialmente, parecem gostar da ideia central da obra. Ouvi de muitas mulheres que estão presenteando as irmãs com o livro. Estão usando a história para se conectar com suas famílias, o que é surpreendente.”

Mas a onda de empolgação com “Minha Irmã”, reconhece a autora, conta com um outro fator além da força e do frescor da narrativa —o interesse crescente em histórias criadas por negros e para negros. 

“Se eu tivesse aparecido há uns cinco anos, ninguém teria se interessado pelo meu livro. Consegui publicar porque apareci nesse momento perfeito, quando as pessoas querem literatura africana e feminista”, diz. “Basta olhar para como as pessoas reagiram ao filme ‘Pantera Negra’. Os negros estavam famintos por representação e foram com força total ver o filme.” 

Parte do interesse atual por autores africanos, segundo a escritora, surge porque o mundo percebe que os negros precisam de representação. “Estão dizendo que não querem mais que pessoas brancas escrevam nossas histórias”, afirma a autora.

Há ainda um elemento mercadológico que só agora começa a ser explorado, de acordo com Braithwaite. “A comunidade negra é imensa e você vai ganhar dinheiro se der a eles o que eles querem”, conclui.

Minha Irmã, a Serial Killer

  • Preço R$ 44,90 (184 págs.)
  • Autor Oyinkan Braithwaite (trad. Carolina Kuhn Facchin)
  • Editora Kapulana
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