Produtor aposta na universalidade de 'Bacurau' para o filme ganhar o Oscar

Nome por trás do longa brasileiro, o tunisiano Saïd Ben Saïd vem colecionando mostras e prêmios

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Rio de Janeiro

O produtor Saïd Ben Saïd parece ter encontrado a fórmula para emplacar filmes —e ganhar prêmios— nos grandes festivais do  mundo. Dos quatro longas que produziu neste ano, três passaram pelas mais importantes mostras competitivas do planeta, sendo que dois saíram com troféus. 

“Synonymes”, do israelense Nadav Lapid, abocanhou o Urso de Ouro em Berlim, enquanto “Bacurau”, dos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, deixou o Festival de Cannes com o prêmio do júri.

O tunisiano começou a produzir de forma modesta na década de 1990, conseguindo respeitabilidade na década seguinte ao financiar longas do francês André Téchiné. Em 2010, ele fundou sua produtora própria, a SBS Productions, especializada em obras autorais. 

Cena do filme "Bacurau"
Cena do filme "Bacurau" - Divulgação

Seu currículo, desde então, contabiliza produções de cineastas do quilate de Brian De Palma (“Paixão”), David Cronenberg (“Mapas para as Estrelas”), Roman Polanski (“O Deus da Carnificina”) e Paul Verhoeven (“Elle”).

Com Mendonça Filho, a parceria começou em “Aquarius”, de 2016, depois que Saïd se impressionou com o filme anterior do brasileiro, “O Som ao Redor”, de 2013. 

Leia a entrevista na íntegra.

“Bacurau” tem tido uma recepção positiva de público e crítica por onde tem passado. Como avalia a trajetória do filme até o momento? É algo próximo do que esperava? Passamos por diferentes etapas: primeiro, o entusiasmo do [diretor do Festival de Cannes] Thierry Frémaux e da comissão de seleção de Cannes, que viram no filme uma intensidade e uma verdade extraordinárias, uma grandeza artística.

Depois, a recepção da crítica e do público em Cannes confirmou esse julgamento: o filme foi não apenas já vendido em quase todos os países do mundo mas também selecionado em dezenas de festivais, entre os mais prestigiosos, como o de Nova York, onde são apresentados os melhores filmes do ano.

Por fim, o prêmio do júri em Cannes. Se há um denominador comum a todas as reações que tivemos sobre “Bacurau” é a universalidade do seu discurso. É por isso que, creio eu, irá tocar o público não apenas no Brasil, mas também na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Japão, etc.

O senhor já trabalha em um novo projeto com Kleber Mendonça Filho. Pode adiantar algo sobre o filme? Na verdade, temos alguns projetos, em língua portuguesa e em língua inglesa. Kleber ainda não sabe qual filme irá fazer primeiro. Eu estou esperando o lançamento de “Bacurau” nos cinemas para que possamos começar a conversar sobre isso.

Que elementos na obra de Mendonça Filho o atraiu para produzir seus longas? Quando eu vi "O Som ao Redor" [2013] pela primeira vez, eu gostei da beleza do estilo, da profundidade da reflexão do autor e da originalidade do seu pensamento. Esse cineasta estava totalmente presente no seu filme e ele tinha se tornado, sem que eu o conhecesse ainda, no final da projeção, um amigo.

 

O que exatamente um projeto precisa ter para que o veja como algo que valha ser produzido? Eu gosto de trabalhar com cineastas que expressam nos seus filmes umavisão de mundo e de cinema.

O senhor parece ter uma espécie de “toque de Midas” para escolher projetos que serão bem acolhidos  e premiados nos grandes festivais e premiações do cinema. Isso se deve unicamente à qualidade desses filmes? Até que ponto é também importante ter um trabalho de lobby ou boas relações com diretores de grandes eventos? Eu tento manter uma distância grande em relação a prêmios e reconhecimentos. Claro, são gratificações às quais sou muito sensível, mas eu sei muito bem até que ponto elas são arbitrárias. Há três anos, "Elle" e Aquarius estavam em competição em Cannes. Todo mundo achava que os dois filmes seriam premiados, mas fomos embora de mãos vazias. 

No último festival de Berlim, eu nunca pensei que "Synonymes", de Nadav Lapid, pudesse ganhar prêmio algum. Eu tinha a impressão que o filme era original e singular demais para ser unânime para um júri. E para a surpresa de todos, ganhamos o Urso de Ouro.

"Aquarius" era um sério candidato a levar o Oscar de melhor filme estrangeiro. Meu sócio Michel Merkt, que já fez várias campanhas para o Oscar, queria acompanhar o filme nos Estados Unidos com uma estratégia que ele tinha traçado com o distribuidor e sua publicista. Infelizmente, não foi "Aquarius" que representou o Brasil [a comissão preferiu nomear "O Pequeno Segredo", que não foi indicado à estatueta dourada].

Eu acredito que "Bacurau" tem fortes chances de levar o Oscar em 2020 se ele representar o Brasil, por vários motivos: Temos um distribuidor para salas de cinema muito bom, a Kino Lorber, que é uma condição essencial para ter uma chance de indicação

Estaremos presentes nos festivais de Toronto e Nova York, que são as duas plataformas lançadoras de filmes para o Oscar. Em terceiro lugar, ganhamos um prêmio importante em Cannes de uma forma que o filme chega aos EUA com forte reconhecimento. Por último, há a metáfora política do filme é muito potente, universal, e eu, como membro da Academia dos Oscars, sei muito bem até que ponto ela pode seduzir os votantes.

Na lista de filmes que já produziu, constam obras de alguns dos maiores cineastas vivos, como Polanski, Cronenberg e Verhoeven. Como costuma ser a sua cooperação com esses diretores? Dá ideias ao roteiro? É capaz de freá-los caso, nas filmagens, se afastem muito do projeto original? Em geral, eu me faço presente durante a escrita do roteiro e, sobretudo, na montagem. Nunca durante a filmagem, mesmo que eu assista a todo o material filmado. Não é dessa forma que funciona com Kleber pelo fato de que é a sua produtora, Emilie Lesclaux, quem faz esse trabalho.

Mas utilizemos o exemplo de Verhoeven: temos inúmeras sessões de leitura do roteiro durante a pré produção e, durante a montagem, eu envio observações depois de cada projeção. Durante a filmagem, minhas intervenções são poucas. Se tenho dúvidas sobre uma cena vendo o material bruto, que foi o que aconteceu duas vezes na filmagem de "Elle" e "Benedetta" [longa ainda em fase de finalização], ele pede ao seu montador que monte a cena, para entendermos melhor.

O presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado desaprovação ao conteúdo de certos filmes nacionais  falou até em “filtro” para escolher para quais destinar recursos públicos. Como o senhor vê essa postura diante do cinema brasileiro? Acha que “Bacurau”, de alguma forma, pode significar uma forma de resistência a isso? O odio à Cultura, infelizmente, tem sido normalizado nas sociedades globalizadas. O incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro e o da catedral de Notre Dame podem ser vistos como metáforas para o destino da Cultura e do Patrimônio.

Em Israel, a ministra da Cultura fala publicamente que o cinema deve ser patriótico antes de tudo. Na Rússia, na China, é mais ou menos a mesma situação. Não vamos nem falar do Irã. Na França, ainda estamos longe de tudo isso, mas a nova classe política no poder nos inspira muitos receios, pois ela parece querer questionar o princípio defendido por André Malraux [escritor e ministro da Cultura na França, nos anos 1960] de que não há obrigação de resultados na área da arte e da cultura, mas apenas a obrigação de oferecer os meios para elas existirem.

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