Tribunal de Contas investiga demissão de servidores do Theatro Municipal de SP

Funcionários dizem que foram pressionados pela gestão Covas (PSDB) a aprovar contas

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São Paulo

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo decidiu abrir investigação sobre as demissões de funcionários que reprovaram prestação de contas do Instituto Odeon, que administra o Theatro Municipal.

As exonerações realizadas pela gestão Bruno Covas (PSDB), reveladas pela Folha nesta terça-feira (27), foram recebidas pelos demitidos como represália por não terem aprovado as contas do instituto —o que a prefeitura nega.

Os exonerados faziam parte de um grupo de trabalho criado pela Secretaria de Cultura em fevereiro para avaliar as contas do Odeon. Segundo eles, após a decisão de não aprovar as contas devido a supostas irregularidades que o grupo de trabalho encontrou —como gastos superestimados em relação à prática de mercado e inconsistências graves nos dados de bilheteria, bem como despesas inadequadas com viagens e hospedagens—, eles passaram a ser pressionados especialmente pela secretária-adjunta da pasta, Regina Silvia Pacheco.

Em razão da investigação, as contas de 2018 foram reprovadas e só parte das de 2017 foram aprovadas pela Fundação Theatro Municipal. Cerca de R$ 3 milhões foram descontados do repasse feito pela prefeitura para compensar as irregularidades apontadas.

A pressão que os funcionários dizem ter sofrido será o objeto da investigação do TCM, que foi iniciada por determinação do conselheiro Edson Simões nesta terça-feira (27). O objetivo é apurar se essa pressão ocorreu de fato, quais os motivos dela e se ela influenciou a decisão de exonerar os funcionários da Fundação Theatro Municipal.

Entre os demitidos da equipe de investigação estão o diretor geral da Fundação Theatro Municipal, Ricardo Fernandes Lopes, e o diretor de gestão, Homero Souza de Freitas Alexandre. Além deles, ao menos outros dois funcionários da Secretaria de Cultura foram exonerados.

À Folha, Homero Alexandre diz que passou pelas situações mais "humilhantes" de sua trajetória profissional ao interagir com a secretária-adjunta.

Segundo ele, Regina Pacheco sugeriu insistentemente que as contas do Odeon precisariam ser aprovadas, já que, caso não fossem, a programação do Municipal estaria em risco, na visão dela. Segundo Alexandre, havia alternativas que não prejudicariam a programação, como, por exemplo, chamar outra organização social para cumprir o contrato.

A Folha mostrou em reportagem nesta terça que um funcionário que integrou a investigação temia que a Secretaria de Cultura pressionasse a equipe a reverter a decisão da reprovação das contas.

Em razão da investigação, as contas de 2018 foram reprovadas e só parte das de 2017 foram aprovadas pela Fundação Theatro Municipal. Cerca de R$ 3 milhões foram descontados do repasse feito pela prefeitura para compensar as irregularidades apontadas. 

Por conta dessa desconfiança, o funcionário gravou uma conversa do grupo com a secretária-adjunta na qual a situação do teatro foi discutida.

Na reunião, a secretária afirmou que sua preocupação maior era evitar o fechamento do Municipal e disse que, se houvesse o rompimento com o Instituto Odeon, “não teria” o que pôr no lugar.

“Tem alguma chance de eles [Odeon] comprovarem alguma coisa que mude esse parecer?”, perguntou a secretária durante a reunião.

“[O instituto] precisa mostrar com provas e documentos [a regularidade dos atos praticados]”, respondeu um dos membros do grupo.

Alexandre diz que pressão similar acontecia também no contato direto com a secretária-adjunta, e não só em reuniões. Ele afirma que foi pressionado a ligar para o diretor geral, Ricardo Fernandes Lopes, que estava em licença médica, para que ele explicasse a análise das contas do Odeon. Ele também diz que Pacheco quis que ele mostrasse emails que ele havia enviado, o que ele se recusou a fazer.

Com a demissão dos funcionários, uma nova equipe fará a avaliação das justificativas do Odeon para as irregularidades apontadas pelo grupo de trabalho. O instituto tem até o final de setembro para apresentar seus argumentos.

Secretário diz ser alvo de fake news

Em postagem nas redes sociais, o secretário municipal de Cultura, Alê Youssef, diz que sua gestão trabalha com transparência e liberdade.

"Foi a gestão do prefeito @brunocovas que criou o Grupo de Trabalho para análise de prestação de contas, pediu o acompanhamento da Controladoria Geral do Município e deu total liberdade para o grupo de trabalho atuar. A maior prova disso é justamente que as contas foram reprovadas e nós já descontamos os valores questionados pelo grupo de trabalho dos repasses à Odeon", escreveu.

Ele também afirma que "as demissões da direção da Fundação do Theatro Municipal não tem nada a ver com mudanças" em relação à aprovação ou à reprovação das contas. Segundo ele, "pessoas sem credibilidade" buscam atingir sua gestão "por questões políticas mesquinhas e interesses escusos próprios".

Ele criticou a gravação da reunião de trabalho por um funcionário e disse que Regina Pacheco foi nomeada "justamente para resolver a questão de gestão do Theatro". Para Youssef, dizer que Pacheco teria pressionado pela reversão da reprovação das contas "chega a ser patético". "Estamos exaustos desse tipo de conduta que aposta em fake news."

O secretário municipal de Cultura Alê Youssef no Theatro Municipal
O secretário municipal de Cultura Alê Youssef no Theatro Municipal - Greg Salibian/Folhapress

Em nota, a Secretaria de Cultura afirma que a pasta decidiu "intensificar os mecanismos de controle e transparência que avaliam a gestão do Theatro".

Segundo a nota, "a nova equipe, além de mais experiente e qualificada para analisar as justificativas, é alinhada com a secretaria e trabalhará sob a supervisão da secretária-adjunta —já trabalharam com ela há mais de 20 anos na equipe do ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare)".

Procurado pela reportagem, o Instituto Odeon afirma ter “documentação que comprova a correção de todos os gastos e ações”. 

Em nota, acrescenta que os questionamentos levantados pela comissão estão sendo respondidos de modo “objetivo, transparente e fundamentado”, respeitando os prazos estabelecidos. 

“O Odeon sempre pautou sua atuação em princípios éticos e no cumprimento da lei.” O instituto ainda afirma que não teve acesso à gravação na qual a secretária-adjunta trata da situação do Municipal e que, por isso, não se manifestará a respeito do tema.

ENTENDA A CRISE NO MUNICIPAL

Jul.2017
Instituto Casa da Ópera vence concorrência para gerir o Municipal; Instituto Odeon também participou do processo

Ago.2017
Ministério Público aponta possível irregularidade na concorrência; Cleber Papa, diretor do Municipal desde o início daquele ano, tinha relação indireta com a Casa da Ópera

Set.2017
Casa da Ópera é desclassificada na concorrência por falta de documentação; Odeon assume a casa e demite Cleber Papa da diretoria artística do teatro

Nov.2018
Diretor financeiro da Odeon grava conversa com André Sturm, na qual o secretário da Cultura condiciona a aceitação de prestações de contas do instituto ao anúncio de que o grupo deixaria a casa

Dez.2018 
Secretaria de Cultura, ainda sob gestão de Sturm, quebra contrato com o Odeon e dispensa os serviços do instituto

Jan.2019
Sturm é exonerado de seu cargo; no seu lugar, assume Alê Youssef, que suspende a dispensa do Odeon

Fev.2019
Secretaria de Cultura cria grupo de trabalho para avaliar as contas do Odeon

Jun.2019
Grupo de trabalho recomenda que a Fundação Theatro Municipal reprove as contas de 2018 do Odeon; a fundação acata e dá prazo legal de resposta para 28 de setembro

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