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Cineasta prodígio decepciona em Veneza mesmo com filme forte da Colômbia

Com temática pacifista, contra a violência a grupos minoritários, 'À Espera dos Bárbaros' poderia ganhar pontos com Martel

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Veneza

Logo no início do Festival de Veneza, a presidente do júri, Lucrecia Martel, deu o recado: “Vocês se surpreenderiam com meu gosto”.

Tomara que seja verdade, porque se as preferências da argentina se afinarem com o que a sua obra e suas falas costumam expor, fica difícil pensar em algum filme deste ano que correspondesse a suas expectativas.

Um dos longas mais aplaudidos, “J’Accuse”, viu suas chances evaporarem já no primeiro dia, quando Martel deixou clara sua reprovação a Roman Polanski na disputa. E parece improvável que uma obra de tão grande público como “Coringa”, de Todd Phillips, ovacionada em Veneza, conquiste sua preferência.

O outro queridinho da Mostra, “Uma História de Casamento”, de Noah Baumbach, pende um pouco demais para o lado masculino no retrato de um fim de um relacionamento, então tampouco seria o Leão de Ouro dos sonhos da argentina.

Nesse cenário incerto, a grande esperança de um Leão de agrado geral se centrou no colombiano Ciro Guerra e seu “À Espera dos Bárbaros”, exibido na manhã desta sexta (6). Com temática pacifista, contra a violência a grupos minoritários e a xenofobia, o filme ainda ganharia pontos extras por ser dirigido por um cineasta latino-americano (como Martel).

Mas apesar de certa consistência narrativa e dos temas fortes, o longa não conseguiu arrebatar Veneza. A estreia de Guerra, de “O Abraço da Serpente”, numa produção internacional em língua inglesa deixou até um gosto de decepção.

Com base em obra do sul-africano J. M. Coetzee, a trama tem Johnny Depp, Mark Rylance e Robert Pattinson. Tudo se passa num lugar incerto, que demarca as fronteiras entre um poderoso império com um território povoado por nômades.

O lugar vive em certa harmonia, mas tudo muda depois que o Império manda para lá um truculento coronel (Depp) para fazer uma inspeção. O militar logo passa a usar tortura e crueldade para domar os nômades da região —que ele chama de bárbaros—, trazendo ao local um tipo de violência até então inédito por ali.

O filme propõe a pergunta: quem são de fato os bárbaros? O povo pacífico que habita o local desde sempre? Ou os colonizadores que usam a brutalidade para impor seu domínio? “É uma pergunta aberta para que cada espectador responda sozinho”, disse Guerra a jornalistas.

As preocupações usuais do colombiano estão ali, com destaque para o choque de culturas e a defesa dos grupos nativos diante de povos “civilizados”, que acham que sabem o que é melhor para o resto da humanidade. Mas a força autoral de Guerra se dispersou em algum momento (provavelmente na montagem), e o filme, ainda que tenha algum pulso, carece de autenticidade.

Também na competição, outro grande humanista, o francês Robert Guédiguian, voltou a falar de empatia e solidariedade em “Gloria Mundi”, sobre um presidiário que não consegue se adaptar à vida fora da prisão. 

Ele se reaproxima da filha, que enfrenta graves problemas financeiros —a moça acaba de ter um bebê, mas seu salário é baixo, e o marido desempregado tenta se virar como motorista de aplicativo.

Mas, desta vez, o diretor se atrapalha na confecção do roteiro, que tenta dar conta de situações demais, quando talvez fosse melhor escolher só uma. Mas é um filme bonito, em que mais uma vez Guédiguian usa sua trupe de eficientes atores para denunciar os absurdos do mundo capitalista atual.

No domínio da realidade virtual, o Brasil teve uma obra de destaque: “A Linha”, de Ricardo Laganaro. Um dos favoritos na categoria de experiência interativa, o filmete de 13 minutos propõe uma viagem pela São Paulo da década de 1940, em que a cidade —ainda meio urbana, meio rural— surge confeccionada numa espécie de maquete virtual. O público literalmente precisa dar uma mãozinha a um rapaz tímido a entregar flores à garota pela qual é apaixonado.

“Estar no Festival de Veneza comprova que [nós brasileiros] podemos ser protagonistas desse momento, dessa revolução, e contar a história do nosso jeito, com as nossas cores”, diz Laganaro, ressaltando a importância de o Brasil fazer parte deste instante de propulsão da realidade virtual.

Os vencedores do Festival de Veneza serão conhecidos na tarde deste sábado (7).

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