Artista alemã partilha autoria de esculturas com fenômenos naturais

Katinka Bock apresenta mostra 'Avalanche' no espaço Pivô, no Copan

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São Paulo

Um bloco de argila úmida, com peso e tamanho equivalentes ao de um ser humano, é lançado do alto de quatro andares. Um barulho surdo ecoa quando ele encontra o solo. Vira uma massa achatada disforme, que por pouco não se parte em dois.

O bloco foi retirado com cuidado e seco à sombra. É assim, estatelado, que ele é exibido em “Avalanche”, mostra que a alemã Katinka Bock apresenta no espaço Pivô, no Copan.

Não é o único trabalho cuja autoria final a artista partilha com fenômenos naturais, por assim dizer. Estendidos na parede, três tecidos que somam 20 metros quadrados foram deixados sobre a laje do prédio por quatro meses. Suas manchas esmaecidas são uma consequência da ação do sol.

Já a sua “Fonte”, um sistema de canos de cobre que atravessa o espaço, usa água da chuva capturada em um funil. O mecanismo é semelhante àquele da obra que Bock apresenta no Centro Pompidou, em Paris, em outubro, na exposição dos finalistas ao renomado prêmio Marcel Duchamp —lá, outra versão do trabalho funcionará como uma espécie de parasita, alimentando-se do sistema de aquecimento do museu.

Outros trabalhos da alemã trazem elementos orgânicos, vivos. Uma escultura que equilibra três limões em uma vara de madeira exige que as frutas sejam trocadas de tempos em tempos, já que elas murcham com o passar dos dias, aumentando as chances de a frágil estrutura tombar. “Temos alguns deveres de casa nessa exposição”, brinca Fernanda Brenner, fundadora do Pivô.

Essa espécie de cocriação com a natureza também se reflete nas pequenas esculturas que se multiplicam pelo enorme salão expositivo, semelhantes a pedaços de troncos retorcidos.

A escultura é um dos suportes preferidos de Bock, e suas fotografias revelam essa predileção, retratando corpos marcados pelo encontro com outras superfícies. Ela explica que muitas de suas peças nascem do ato de embrulhar objetos em folhas de argila com gestos rápidos. 

“Uso sobretudo a gravidade para moldá-las”, afirma. Outras são restos de frutos, sementes e sardinhas 
fundidos em bronze.

Apesar de nem sempre usar ferramentas convencionais da escultura, como cinzéis, a artista ressalta que se sente “profundamente responsável” pelas formas que introduz no mundo. “Nem tudo é bem-vindo”, diz. “É sempre uma escolha.”

Na maioria das vezes, essa escolha depende justamente do local da exposição. Sua prática é “site specific”, isto é, pensada especificamente para os espaços onde realiza suas mostras. Calhou de desta vez o destino ser o Copan, icônico projeto de Oscar Niemeyer que, como grande parte da obra do arquiteto, tem um quê de utopia em sua proposta de abrigar pessoas de todos os estratos sociais dentro de suas formas sinuosas.

Apesar da monumentalidade do edifício, Bock afirma que seu objetivo inicial não era estabelecer um diálogo com Niemeyer. Lembrando que o espaço onde acontece a mostra a princípio não deveria ser mostrado —o Pivô fica em um andar estrutural do edifício, uma espécie de transição entre as áreas comercial e residencial que permaneceu vazia por décadas—, ela diz estar mais interessada na realidade prática do prédio, em sua população.

Dos vizinhos, ela pegou emprestado, por exemplo, uma pia, usada na “Fonte”, e redes de proteção de construção civil, estendidas como redes de dormir pelas paredes do Pivô.

É nesse encontro com o outro, aliás, que Bock enxerga a potência política de seu trabalho. A alemã afirma que é mais fácil falar com pessoas de contextos sociais diferentes a partir de uma relação triangular, ou seja, quando um terceiro objeto é inserido em um diálogo —no caso, a arte.

Fernanda Brenner concorda. Para ela, o trabalho de Bock lida com a ética. “O melhor tipo de política”, declara.
 

Katinka Bock Pivô

  • Quando Ter. a sáb., 13h às 19h. Até 9/11
  • Onde av. Ipiranga, 200, edifício Copan, loja 54, República
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