“Há um ano o Museu Nacional no Rio de Janeiro ardeu em chamas. A cidade acordou para a imagem que vocês veem atrás de mim”, disse María Berríos em conversa com jornalistas na 11ª Bienal de Berlim. A entrevista foi no ExRotaprint, espaço cultural coletivo no norte da cidade, que abriga “exp. 1: Os Ossos do Mundo”, primeira iniciativa pública desta bienal.
A curadora fazia referência à imagem do fotojornalista Leo Correa, exposta na parede central do espaço expositivo, que mostra o meteorito Bendegó em meio às cinzas do Museu Nacional.
Berríos explica que, em “exp. 1”, os curadores exploram as “ruínas ao nosso redor” com interesse no que ali “está sendo mobilizado”.
À esquerda da foto está “Generosa”, da série “Guerrilheiras, 2017”, de Virginia de Medeiros, artista de Feira de Santana (BA). É um retrato de Generosa Maria, então moradora da Ocupação 9 de Julho, no centro de São Paulo. Na imagem, ela segura um cartaz com um retrato de Marielle Franco, vereadora assassinada
em março de 2017, e os dizeres “transformar luto em luta”.
“Exp. 1: Os Ossos do Mundo” recebe o mesmo título dos escritos de viagem do artista e arquiteto brasileiro Flávio de Carvalho, conhecido por ter rompido fronteiras ao expandir a prática artística para além dos espaços destinados à arte. O livro, publicado em 1936, reúne ensaios sobre os seis meses que o artista passou na Europa no período do entre-guerras fazendo “uma espécie de etnografia reversa do velho mundo”, diz Berríos.
A maior parte dos curadores da Bienal se mudou do continente americano para a capital alemã há seis meses: Berríos é chilena, Renata Cervetto, argentina, e Lisette Lagnado, brasileira. Agustín Pérez Rubio é espanhol, mas viveu os últimos anos na capital argentina como diretor do Malba.
“Estamos, de certa maneira, numa situação semelhante [à de Flávio de Carvalho nos anos 1930], vivendo, sentindo e observando a ascensão de vários nacionalismos”, diz Lagnado.
“Exp. 1” foi inaugurada nove meses antes do início oficial da 11ª Bienal de Berlim, marcado para junho de 2020, transformando a gestação desta edição em um processo aberto ao público —e é descrita pelos curadores não como exposição, mas como experiência.
“Evitamos a palavra exposição para não criar expectativas por obras artísticas, embora, para nós, documentos e publicações tenham um valor tão importante quanto. A ideia é trazer nossas referências de leitura, nosso repertório de imagens”, explica Lagnado.
A palavra “experiência” remete também às lembranças de Flávio de Carvalho, presentes em “exp. 1”, que mostra capas de livros e artigos de jornais que analisam as suas performances, que ficaram conhecidas como “experiências”.
Compõem também “exp. 1: Os Ossos do Mundo” cerca de outras 20 obras e materiais de arquivos pessoais. Entre eles, há registros em vídeo da performance “BR-3”, da brasileira Teatro da Vertigem; vídeo da artista americana Amanda Baggs, diagnosticada com autismo, em que questiona a inabilidade das pessoas para aprender outras formas de comunicação; bordados retratando cenas do cotidiano de Akhmin, no Egito; e um desenho de uma criança sobre a depressão profunda de seu pai.
Com esta experiência, os curadores da 11ª Bienal de Berlim revelam ao público o que está por vir, uma mostra de arte que tem por base o que é “criar sobre ruínas” e ver o mundo por olhos que não são normativos. “Estes velhos ossos fossilizados podem e estão sendo chacoalhados, cortados e montados novamente”, afirma Berríos.
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