Bienal de Berlim destaca artistas brasileiros e obras criadas a partir de ruínas

Primeira iniciativa pública da Bienal foi inaugurada nove meses antes do início oficial do evento, em 2020

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Júlia Frate Bolliger
Berlim

“Há um ano o Museu Nacional no Rio de Janeiro ardeu em chamas. A cidade acordou para a imagem que vocês veem atrás de mim”, disse María Berríos em conversa com jornalistas na 11ª Bienal de Berlim. A entrevista foi no ExRotaprint, espaço cultural coletivo no norte da cidade, que abriga “exp. 1: Os Ossos do Mundo”, primeira iniciativa pública desta bienal.

A curadora fazia referência à imagem do fotojornalista Leo Correa, exposta na parede central do espaço expositivo, que mostra o meteorito Bendegó em meio às cinzas do Museu Nacional.

​Berríos explica que, em “exp. 1”, os curadores exploram as “ruínas ao nosso redor” com interesse no que ali “está sendo mobilizado”.

À esquerda da foto está “Generosa”, da série “Guerrilheiras, 2017”, de Virginia de Medeiros, artista de Feira de Santana (BA). É um retrato de Generosa Maria, então moradora da Ocupação 9 de Julho, no centro de São Paulo. Na imagem, ela segura um cartaz com um retrato de Marielle Franco, vereadora assassinada 
em março de 2017, e os dizeres “transformar luto em luta”.

“Exp. 1: Os Ossos do Mundo” recebe o mesmo título dos escritos de viagem do artista e arquiteto brasileiro Flávio de Carvalho, conhecido por ter rompido fronteiras ao expandir a prática artística para além dos espaços destinados à arte. O livro, publicado em 1936, reúne ensaios sobre os seis meses que o artista passou na Europa no período do entre-guerras fazendo “uma espécie de etnografia reversa do velho mundo”, diz Berríos. 

 

A maior parte dos curadores da Bienal se mudou do continente americano para a capital alemã há seis meses: Berríos é chilena, Renata Cervetto, argentina, e Lisette Lagnado, brasileira. Agustín Pérez Rubio é espanhol, mas viveu os últimos anos na capital argentina como diretor do Malba.

“Estamos, de certa maneira, numa situação semelhante [à de Flávio de Carvalho nos anos 1930], vivendo, sentindo e observando a ascensão de vários nacionalismos”, diz Lagnado.

“Exp. 1” foi inaugurada nove meses antes do início oficial da 11ª Bienal de Berlim, marcado para junho de 2020, transformando a gestação desta edição em um processo aberto ao público —e é descrita pelos curadores não como exposição, mas como experiência.

“Evitamos a palavra exposição para não criar expectativas por obras artísticas, embora, para nós, documentos e publicações tenham um valor tão importante quanto. A ideia é trazer nossas referências de leitura, nosso repertório de imagens”, explica Lagnado.

A palavra “experiência” remete também às lembranças de Flávio de Carvalho,  presentes em “exp. 1”, que mostra capas de livros e artigos de jornais que analisam as suas performances, que ficaram conhecidas como “experiências”.

Compõem também “exp. 1: Os Ossos do Mundo” cerca de outras 20 obras e materiais de arquivos pessoais. Entre eles, há registros em vídeo da performance “BR-3”, da brasileira Teatro da Vertigem; vídeo da artista americana Amanda Baggs, diagnosticada com autismo, em que questiona a inabilidade das pessoas para aprender outras formas de comunicação; bordados retratando cenas do cotidiano de Akhmin, no Egito; e um desenho de uma criança sobre a depressão profunda de seu pai. 

Com esta experiência, os curadores da 11ª Bienal de Berlim revelam ao público o que está por vir, uma mostra de arte que tem por base o que é “criar sobre ruínas” e ver o mundo por olhos que não são normativos. “Estes velhos ossos fossilizados podem e estão sendo chacoalhados, cortados e montados novamente”, afirma Berríos.

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