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Brad Pitt fala sobre encarar seus 'lados feios' após divórcio com Angelina Jolie

O ator e produtor também disse que quer fazer menos filmes e a intervalos maiores

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Kyle Buchanan
The New York Times

"Mais rápido sozinho, mais longe juntos", Brad Pitt murmurou. Por sobre seu ombro esquerdo pendia Marte, marrom-avermelhado e dolorosamente pequeno, enquanto à sua direita Júpiter, muito maior, iluminava os arredores como uma bola espelhada numa discoteca.

Estávamos sentados um diante do outro no plano inferior do Griffith Observatory, em Los Angeles, no espaço de uma exposição por enquanto fechada ao público chamada "Depths of Space", e conversávamos sobre homens estoicos.

Pitt, 55, já interpretou diversos deles no cinema, entre os quais dois só este ano: Cliff Booth, o dublê que salta pela tela em "Era Uma Vez em... Hollywood", e Roy McBride, um astronauta lançado a quadrantes cada vez mais distantes da galáxia em "Ad Astra - Rumo às Estrelas", que estreia neste mês de setembro.

Os astros de cinema têm suas especialidades, e embora Pitt já tenha provado que pode interpretar um falastrão em filmes como "Os 12 Macacos" e "Snatch - Porcos e Diamantes", ele é mais atraente quando mantém alguma coisa em reserva. A sensação é a de assistir a um homem que não diz mais do que o necessário, o que representa um grande feito para alguém que estrelou em dois filmes do notoriamente loquaz Quentin Tarantino.

"Cresci com aquela coisa do seja capaz, seja forte, não mostre fraqueza", Pitt me disse. Ele foi criado em Springfield, no estado americano do Missouri, o mais velho de três crianças; seu pai era dono de uma transportadora. Agora, aos 55 anos, ele chegou a um ponto em que vê o pai em cada papel que interpreta.

"De algumas maneiras, eu o copio", disse Pitt. "Ele cresceu em meio a muita dificuldade e pobreza, mas sempre determinado a me dar uma vida melhor do que a que teve —e o fez. Mas ele vinha de uma cepa estoica."

A linhagem serviu melhor a Pitt nas telas do que fora delas, e, num ano no qual fez duas grandes interpretações, ele vem pensando seriamente sobre a pessoa em que se tornou.

"Estou grato por essa ênfase em ser capaz e em fazer as coisas por sua conta, com humildade, mas o que falta nisso é o lado de avaliar você mesmo", ele disse, inclinando o tronco em minha direção.

"É quase uma negação daquela outra parte de você que é fraca e passa por momentos de dúvida, mesmo que essas sejam coisas humanas que todos experimentamos. Tenho certeza de que você não é capaz de se conhecer de verdade até que identifique e aceite essas coisas."

Horas mais tarde, muito depois de nossa conversa, comecei a receber mensagens de amigos e parentes: como é Brad Pitt, que cara ele tem? Pela maior parte de nossa conversa, Pitt se mostrou penitente e apegado à privacidade, como se estivesse alternando entre ser a pessoa que se confessa e o sacerdote que ouve a confissão.

Quanto à aparência: bem, ele estava usando um chapéu cinzento, camiseta cinzenta, e tinha a barba grisalha. Algumas tatuagens surpreendentes estavam visíveis em seus braços, entre as quais uma citação de Rumi, a imagem de uma moto, a palavra "invictus", e um homem e sua sombra. Mas sua aparência lembrava principalmente a de Brad Pitt.

Não precisei perguntar a James Gray se ele escreveu "Ad Astra - Rumo às Estrelas" com Pitt em mente; ao assistir ao filme, percebi de imediato, assim que os demais personagens começaram a expressar admiração pelo astronauta interpretado por Pitt jamais apresentar batimento cardíaco acima de 80 batidas por minuto.

Gray gosta de contar uma história que ilustra o equilíbrio de Pitt, e é uma história que preenche algumas lacunas se você alguma vez quis saber por que Pitt não estava presente quando "Moonlight: Sob a Luz do Luar", filme do qual ele foi produtor executivo, ganhou o Oscar de melhor filme dois anos atrás.

Na verdade, Pitt estava em Los Angeles naquela noite, mas desistiu de ir às festividades para jantar espaguete na casa de Gray, uma escolha de prioridades surpreendente para alguém a caminho de receber um dos maiores prêmios de Hollywood.

Enquanto Pitt, Gray e alguns outros amigos jantavam, a mulher de Gray assistia à entrega do Oscar em outra sala, e Pitt teve de descobrir em segunda mão que seu filme esteve envolvido num dos momentos mais malucos da história do Oscar, quando "La La Land - Cantando Estações" foi anunciado erroneamente como melhor filme, e o vencedor real era "Moonlight".

E como Pitt reagiu quando lhe contaram o que aconteceu? Gray imita a voz arrastada de Pitt —"Ele disse: 'uau, que bacana'"—, e ri da recordação. "Não é que ele não curtisse o prêmio, óbvio, mas Brad não se deixa apanhar pela pompa e circunstância. Acho que ele sabe que é preciso se manter centrado."

Pitt e Gray são amigos há mais de duas décadas, desde que o ator assistiu ao trabalho de estreia do cineasta em 1995, um filme policial de baixo orçamento chamado "Fuga para Odessa".

Na época, Pitt estava tentando evitar repetir os papéis de homens atraentes e de cabelos longos que havia interpretado em "Lendas da Paixão" e "Entrevista com o Vampiro", e sentiu que Gray seria capaz de tirar algo de novo dele.

"Ele tinha aquele toque dos anos 1970, como o dos filmes que cresci vendo", Pitt me disse. "Havia alguma coisa dura nele, uma violência. E o foco das histórias dele parecia ser os homens."

Gray ficou espantado ao ser contatado por Pitt. "Não é fácil imaginar que uma pessoa que está começando a se tornar um grande astro me procuraria, quando eu tinha 25 anos e não tinha feito outra coisa que não aquele filme", disse Gray.

"Foi bizarro, surreal. Mas fiquei muito tocado. Ele tem um gosto muito refinado, e estava sempre em busca de novos pontos de vista."

Os dois estavam determinados a colaborar, mas houve largadas falsas. Em 2010, Pitt desistiu de "Z: A Cidade Perdida", um épico de selva dirigido por Gray (o papel ficou com Charlie Hunnan). "Na época, viajar à Amazônia não tinha lugar em minha agenda", disse Pitt.

Anos mais tarde, Gray procurou Pitt com o roteiro de "Ad Astra - Rumo às Estrelas", mas com a expectativa de que ele rejeitaria o convite.

"Mesmo depois de ele dizer que aceitava, eu jamais imaginei que o faria", disse Gray, explicando que "minha única reclamação sobre Brad do ponto de vista profissional é que ele não gosta de estrelar em muitos filmes. Acho que ele é capaz de dominar uma tela de uma maneira que pouca gente mais consegue, e gostaria que ele visse esse lado da coisa o tempo todo".

Se em pessoa Pitt é mais discreto e mais pensativo do que você poderia imaginar, o mesmo pode ser dito sobre "Ad Astra - Rumo às Estrelas". Há algumas sequências de ação notáveis, claro, quando o personagem de Pitt vasculha a galáxia em busca de seu pai astronauta desaparecido (Tommy Lee Jones).

Mas o filme se preocupa mais com a vida interior do personagem do que com a paisagem magnífica do lado de fora da nave, e longos trechos transcorrem mostrando apenas Pitt na tela, e sua voz ponderando as profundidades da vida.

"Fazemos perguntas como 'por que estamos aqui', ou 'a que isso tudo serve?'. Isso é um campo minado, de alguma forma, porque as armadilhas são muitas", admitiu Pitt. Mas a solidão do personagem o atraiu. "Queríamos investigar a incapacidade de se conectar com os outros, e os mecanismos de autoproteção que uma pessoa cria e nos impedem de sermos realmente abertos."

Abertura é algo sobre o qual Pitt vem pensando muito recentemente. É uma qualidade que nem sempre ocorre naturalmente nos homens, e ninguém criticaria um dos atores mais esquadrinhados do planeta se ele optasse por impedir o acesso a algumas áreas de seu eu.

"Mas o espaço definitivo para o meu estilo de atuar, como eu o entendo, é chegar a um lugar de verdade absoluta", disse Pitt. "Preciso estar experimentando alguma coisa que pareça real para mim, se quero que ela pareça real para você."

No começo de 2017, quando Pitt fechou o contrato para estrelar em "Ad Astra - Rumo às Estrelas", ele ainda estava abalado com sua recente separação de Angelina Jolie, com quem tem seis filhos.

"Ele certamente usou estímulos de sua vida", disse Gray. "Não entrei no lado pessoal com ele a respeito de tudo isso —não é meu lugar—, mas ele investigou a essência do personagem por intermédio de si mesmo."

Quando perguntei a Pitt, sobre aquele período de sua vida, ele inicialmente cortou a conversa. "Eu tinha problemas de família", ele disse. "Melhor deixarmos o assunto assim."

"Ad Astra - Rumo às Estrelas" foi uma maneira de trabalhar a solidão que ele talvez estivesse sentindo? "O fato é que todos nós carregamos dor, luto e perda", ele disse. "Passamos a maior parte do nosso tempo escondendo que isso acontece, mas está lá, está em você. E você abre essas caixas."

Foi noticiado que a gota d'água final no relacionamento de 11 anos entre Pitt e Jolie veio em setembro de 2016, quando eles tiveram uma briga sobre o consumo excessivo de álcool dele, num avião particular.

Agora, Pitt está determinado a manter a sobriedade. "Levei as coisas ao máximo que podia, e por isso cancelei meus privilégios no que tange a beber", ele me disse. Depois que Jolie pediu o divórcio, ele passou 18 meses frequentando reuniões dos Alcoólicos Anônimos.

O grupo de recuperação dele era formado exclusivamente de homens e Pitt se comoveu com a vulnerabilidade deles. "Tínhamos todos aqueles homens sentados lá, sendo abertos e honestos de uma maneira que eu jamais tinha ouvido", disse Pitt. "Era um espaço seguro, onde ninguém estava sendo julgado. E assim as pessoas não julgavam a si mesmas."

Espantosamente, nenhum membro do grupo vendeu histórias sobre Pitt a jornais sensacionalistas. Os integrantes do grupo confiavam uns nos outros, e naquela confiança ele encontrou catarse. "Foi realmente libertador, na verdade, expor os lados feios de nós mesmos", ele disse. "Havia grande valor nisso."

Em agosto, o site Buzzfeed publicou um artigo intitulado "Brad Pitt é um Ator Coadjuvante Aprisionado no Corpo de um Astro de Cinema". No texto, a autora Alison Wilmore argumentava que os melhores trabalhos de Pitt aconteciam quando ele é escalado para um papel central mas ligeiramente subserviente, como em "Clube da Luta", em que ele interpreta o alter ego de Edward Norton, ou em "Era Uma Vez em... Hollywood", no qual ele serve de ombro amigo para Leonardo DiCaprio em suas aventuras.

Este último papel provavelmente valerá a Pitt sua quarta indicação ao Oscar como ator, e "a contradição de sua carreira de três décadas", escreveu Wilmore, é que "seus melhores papéis são quase todos como coadjuvante".

De acordo com Gray, o ego de Pitt tem pouco a ver com sua escolha de papéis. "Ele sempre pede por menos exposição, menos diálogos", disse Gray. "Não acho que Brad necessariamente goste de ser o centro das atenções —ele precisa ser empurrado nessa direção."

Na forma como Pitt conta a história, ao menos, os papéis coadjuvantes oferecem algum alívio. Ele vem sendo o centro das atenções do planeta desde o papel que o revelou, em "Thelma & Louise" (1991), e assim por que ele desejaria a mesma coisa em todos os seus trabalhos?

"Na década de 1990, aquela atenção toda me incomodava", disse Pitt. "Era realmente desconfortável para mim, a cacofonia de expectativas e opiniões. Eu me tornei uma espécie de ermitão, e fumava maconha até esquecer."

Tudo que ele fazia era esmiuçado, na época: seus sucessos, seus fracassos, seu cabelo, seu corpo, e especialmente seus romances —entre eles um noivado com Gwyneth Paltrow e o casamento com Jennifer Aniston.

A vida de Pitt, ele disse, não foi simplesmente "a loteria que parecia ser, vista de fora". As coisas chegaram ao ponto de ele não conseguir mais distinguir seus sentimentos e necessidades reais daqueles que outras pessoas forçavam sobre ele.

Por fim, quando Pitt deixou para trás os papéis de sedutor por meio de uma parceria recompensadora com o diretor David Fincher, com quem ele fez "Seven - Os Sete Crimes Capitais", "Clube da Luta" e "O Curioso Caso de Benjamin Button", Pitt começou a encontrar seu equilíbrio. E ainda que sua união com Jolie o tornasse ainda mais cataclismicamente famoso, ele aprendeu a ignorar as expectativas alheias.

"Os pensamentos dúbios, o burburinho mental, o rato no crânio, isso tudo é comédia", disse Pitt. "É ridículo que nos atormentemos assim. Nada disso importa. Perdi tempo demais na vida lutando com esses pensamentos, ou algemado a eles, ou aprisionado por eles."

Pitt recentemente definiu que atuar é um jogo para homens mais jovens, e na metade da casa dos 50 anos ele se vê atraído por outras experiências artísticas.

Ele é um produtor prolífico —"produzir quer dizer não precisar acordar cedo e colocar maquiagem", Pitt me disse—, e sua produtora, Plan B, que ele dirige com Dede Gardner e Jeremy Kleiner, bancou filmes como "12 Anos de Escravidão", "Se a Rua Beale Falasse" e "Selma: Uma Luta pela Igualdade".

Mas ele não é especialmente otimista quanto ao futuro do entretenimento em tela grande, na era do streaming. "Estou curioso para ver se os filmes vão perdurar", ele disse. O que ele sabe é que não estrelará tantos deles.

"Vou fazer menos filmes e a intervalos maiores, porque há outras coisas que desejo fazer agora", disse Pitt, que se interessa por escultura e paisagismo. "Quando você sente que tem os braços fechados em torno de alguma coisa, é hora de abraçar outra coisa."

Com isso nossa entrevista se encerra, e subimos dois lances de escada, emergindo das profundezas do espaço para o gramado do observatório. O lugar estava lotado de turistas, a maioria dos quais fotografando o letreiro de Hollywood do outro lado do cânion.

Pitt teria de atravessar a área para chegar ao carro que o esperava, e me pediu para ficar para trás: se eu caminhasse ao seu lado, tratando-o como a uma pessoa famosa, os turistas perceberiam que ele era conhecido.

Por isso, fiquei para trás, e Brad Pitt saiu caminhando sozinho, passando por multidões de turistas que estavam de olho no letreiro de Hollywood e não no astro de Hollywood que caminhava entre eles despercebido, um homem com toda a fama do mundo mas sem desejo real por ela, um homem que caminha mais rápido sozinho.

Tradução Paulo Migliacci

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