Descrição de chapéu Artes Cênicas

Em montagem com aspectos indígenas, Ailton Krenak critica dualismo de Brecht

Cia. Livre faz opereta de dramaturgo trazendo elementos da crise na Amazônia

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São Paulo

No ano da graça de 2019, Brecht chegou à Amazônia. Pelas mãos, corpos e mentes da Cia Livre e Cia Oito Nova Dança, levou consigo uma peça de 1933, “Os Horácios e os Curiácios”, e encontrou os povos dos “Um”, crentes de que sua cultura é única e universal, e dos “Outros”, em suas múltiplas e diversas visões e formas de vida. 

As companhias contemporâneas de teatro e dança fazem agora o caminho de volta da floresta para a cidade, com a estreia de “Os Um e os Outros”, uma alegoria da alegoria em forma de opereta.  

Bertold Brecht recontou de forma alegórica a chamada Guerra dos Trigêmeos, ocorrida na Roma Antiga. A peça, escrita na época da ascensão do nazismo, sobre a luta dos poderosos curiácios para tomar “tudo o que está em cima e embaixo da terra” dos horácios, foi mantida no original. 

“Brecht é assustadoramente atual”, diz Cibele Forjaz, diretora da Cia. Livre. Para a montagem, ela não criou outra dramaturgia, mas sim uma releitura cênica, sobrepondo camadas de imagens, discursos, música e dança aos diálogos do dramaturgo alemão.

Para não sucumbir ao exército mais numeroso e com armas mais poderosas dos curiácios (os “Um”), os horácios inventam e reinventam novas estratégias. Segundo Forjaz, é uma aula quase esquemática de resistência. 

 

Em cena, os atores questionam o público e a si mesmos. “O que é relato, o que é representação nisso tudo que estamos vivendo? Que teatro eu gostaria de fazer neste cenário?”, pergunta a atriz Lucia Romano, da Cia Livre. 

Para ela, a importância da atual montagem talvez não esteja na linguagem estética, mas sim na urgência do tema. 

O que há de didatismo em Brecht é reforçado por camadas de leituras e interpretações explicitadas no palco. 

São documentos, dados, depoimentos, mensagens atravessando a cena em vídeos ou lidos pelos artistas. Sublinhando o distanciamento brechtiano, a diretora corta as cenas para ler um trecho de um livro sobre povos indígenas, por exemplo, ou contar alguma parte do processo de criação da peça. 

Imagens mostram o trânsito urbano, rios amazônicos, a mata em chamas. Ameaças e medidas anunciadas pelo atual governo e respostas dos povos da floresta também estão nas quatro telas que delimitam o espaço cênico em formato de arena. Outros vídeos vão da propaganda institucional sobre a Transamazônica à publicidade sobre Belo Monte. 

Espetáculo 'Os Um e os Outros'. Atores Cia Livre e Cia. Oito Nova Danca - Lenise Pinheiro/Folhapress

“A usina fica pronta neste setembro. É agora!”, diz Forjaz. A diretora passou quase um ano no Xingu, em pesquisas para um doutorado de antropologia e, diz, em busca de outras possíveis formas de vida.

Tanto sua companhia como a Oito Nova Dança, dirigida por Lu Favoreto, também têm trabalho com o povo guarani m’bya morador da terra indígena Tenondé-Porã, na região de Parelheiros, zona sul de São Paulo. A experiência com os guaranis deu origem a várias coreografias do grupo de dança, como “Xapiri Xapirê”. A mais recente é o premiado “Juruá”, de 2018, 

Representantes dos guaranis m’bya são convidados especiais de “Os Um e os Outros”. Com suas danças, músicas e falas, criam uma nova camada de significados para a montagem. 

Por trás da cena, mas interferindo diretamente no final da peça, há uma conversa com o líder indígena Ailton Krenak. 

Após assistir uma apresentação da peça, disse achar a solução de Brecht por demais dualista e ocidental. No original, quando os horácios conseguem desbaratinar e vencer o exército mais poderoso, matam todos os soldados dos curiácios. 

Para Krenak, esta é a lógica da exterminação dos juruás (brancos), e não dos povos ameríndios que inspiram a montagem. A partir desta conversa, o grupo decidiu criar uma nova camada, com outro desfecho/recomeço possível seguindo-se ao do texto original.

OS UM E OS OUTROS

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