De volta com Tiago Iorc, 'Acústico MTV' foi fenômeno nos anos 1990 e 2000

Entre o sucesso absoluto de público e críticas de 'pasteurização estética', formato deixou registrados momentos sublimes

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Montagem com diversas cenas de bandas na gravação de Acústico MTV, com efeitos como se fosse uma tv fora do ar

Jairo Malta

São Paulo

Um banquinho, um violão, luzes indiretas, naipe de cordas e convidados ilustres. Muito popular entre o fim dos anos 1990 e o começo dos 2000, a série “Acústico MTV”, criada nos Estados Unidos e que leva artistas de diferentes estilos para um ambiente intimista, encontrou no Brasil um terreno fértil.

Sem produzir novos volumes desde 2012, a MTV voltou a apostar no “Acústico” neste mês, com Tiago Iorc como o primeiro protagonista deste retorno. Só a participação do cantor já é demonstração de força do formato.

Sumido da vida pública há cerca de dois anos, Iorc só apareceu para lançar, de surpresa, o disco “Reconstrução”, em maio e, depois, para o “Acústico”. Mesmo com um álbum que bateu recorde no streaming, a próxima turnê dele, em outubro, será baseada no programa que gravou para a MTV.

A história do “Acústico” no Brasil é especialmente bem-sucedida, mas isso não quer dizer que a versão americana não tenha tido sucesso.

Em 1994, Kurt Cobain foi gravado transformando em lamúrias os gritos roucos que, nas versões originais das músicas, soavam mais como desabafos para uma juventude inquieta e insatisfeita. Sentado, acompanhado por violões, Cobain revelou um lado melódico tão sublime quanto os seus berros.

Naquele mesmo ano, a equipe da MTV brasileira se reunia em São Paulo para dar sequência às primeiras experiências no formato. “O primeiro que saiu em CD foi Gilberto Gil”, conta Anna Butler, que foi diretora de relações artísticas ali entre 1990 a 2008. “O do Legião Urbana, por exemplo, era só um programa de TV. Virou produto anos depois.”

Até aquele momento, 1994, a MTV Brasil havia feito um piloto com Marcelo Nova, além de programas com João Bosco, Barão Vermelho e Moraes Moreira. Mas apesar dos bons resultados, ainda era um formato próximo demais da realidade dos artistas escolhidos.

“O dos Titãs foi o primeiro com força total, em 1997”, diz Cris Lobo, ex-diretora de produção da MTV. “Foi o primeiro que fomos fazer no Rio de Janeiro, num teatro. Para nós, aquilo era muito grande.”

André Vaisman, ex-diretor artístico do canal, passou um ano convencendo a banda. “Eles não andavam saudáveis economicamente, não tinham o melhor contrato com a Warner e já angariavam dívidas”, diz.

A gravação, no teatro João Caetano, ficou superlotada. “Estava a ponto de dar problema, não foi legal”, conta Cris. “Lembro do Fernando Gabeira, político importante na época, ter que ficar na fila.”

O “Acústico” dos Titãs foi um dos poucos que teve público comum, além de convidados. Liminha foi o produtor, nomes como Jimmy Cliff engrossaram o caldo, arranjos de cordas foram acrescentados, e o grupo que surgiu com um punk urbano nos anos 1980 renasceu comercialmente.

O “Acústico” dos Titãs foi uma virada de página. Em poucos meses, o disco já era o mais vendido da história da banda. Depois, ultrapassou a marca de 1 milhão de cópias e virou exemplo de sucesso.

A partir dali, a porta abriu. Em 2000, o Capital Inicial, que teve sucesso moderado nos anos 1980, de repente, foi alçado a um posto que a banda nuncatinha experimentado. O mesmo ocorreu com o do Kid Abelha, de 2002, até hoje o “Acústico” mais vendido.

Outros roqueiros em baixa também recuperaram folêgo comercial, como o Ira! e os Engenheiros do Hawaii. Até o Charlie Brown Jr., mais jovem e conhecido pelos shows amalucados, se rendeu ao
formato. A cantora Cássia Eller foi praticamente apresentada a um público mais abrangente com o seu volume.

A sensação era que, em determinado momento dos anos 2000, o pop rock mainstream parecia ter trocado de vez as guitarras por violões. “Ficou muito maior no Brasil do que em qualquer lugar do mundo”, analisa Butler. “Nos Estados Unidos, por exemplo, foram lançados poucos discos.”

Zico Góis, ex-diretor de programação da MTV Brasil, conta que “havia filas de artistas querendo o seu ‘Acústico’”. “Vários que não teriam espaço no canal lançaram discos no formato, só que sem a marca e a chancela da MTV.”

Todo esse sucesso chamou a atenção de gente muito grande —até de Roberto Carlos, que procurou o canal. Por ter contrato de exclusividade com a Globo, o programa nunca foi ao ar, mais saiu em CD e DVD.
Segundo Butler, a MTV foi “superprepotente” nas negociações. “Eles tinham um contrato impossível de quebrar. Não sei o que deu na cabeça dos caras para tentarem. Éramos pequenininhos.”

Além de Roberto Carlos, o “Acústico” teve edições com outros nomes populares, como Zeca Pagodinho e Art Popular. “Nos meus anos de MTV, de 1993 a 1999, não tínhamos muito dinheiro ou confiança do mercado para investir”, diz Vaisman. “Uma coisa foi abrindo caminho para a outra.”

Algumas ideias interessantes, entretanto, não foram para frente. Gal Costa faria versões jazzy das músicas de seus primeiros discos, mas acabou indo para um caminho mais conservador. Jorge Ben Jor 
resgataria o violão de nylon, que ele havia trocado pela guitarra, mas acabou usando um violão de aço, de 12 cordas.

Entre o sucesso absoluto de público e o nariz torcido de quem considerava o formato uma pasteurização estética, o “Acústico” deixou registrados momentos sublimes. Um deles foi quando Milton Nascimento dividiu os microfones com Rita Lee em “Mania de Você”.

“Milton nunca havia gravado com a MTV”, recorda Vaisman. “Ele chegou para o ensaio com a maior humildade possível. Sentou-se ao banquinho e a banda mandou ver. 

Ao final da canção, instintivamente um esticou a mão ao outro, Rita e Milton, num quase toque divino de Michelangelo. Olhei em volta já encharcando o tapete de tanto chorar de emoção. Todos estavam cheios de lágrimas nos olhos. Sabíamos que estávamos diante de uma catarse.”

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