Povo, este substantivo tão vazio de sentido no discurso dos populistas, ganha outros significados em “Peterloo”, mais recente longa do britânico Mike Leigh. O ponto de partida do filme é o final da batalha de Waterloo, momento histórico que marca a derrota de Napoleão e o fim de sua marcha imperial.
Leigh, no entanto, adota um eloquente movimento de câmera para se afastar da história monumental. O que vemos em meio ao cenário de desastre é um cornetista que olha o amontoado de mortes em volta sem conseguir entender o porquê.
O mutismo desse personagem, que se mantém quando ele volta para casa, serve de fio para a reconstituição do massacre de manifestantes ocorrido em Manchester em 1819, quatro anos após Waterloo. A população operária se reuniu no largo St. Peter’s para reivindicar seu direito a votar, e o ato pacífico culminou em matança pelas tropas do governo.
O título “Peterloo” se refere a este fato quase apagado, contrastando-o como um negativo à celebração de Waterloo. No lugar do triunfo, o filme recria a progressão dos acontecimentos na perspectiva dos derrotados protagonistas.
Leigh aproxima, assim, duas sólidas tradições do cinema britânico. De um lado, o filme histórico, aqui dedicado a reconstituir as más condições de vida por meio de um realismo sujo em que brilham as contribuições da direção de arte e dos figurinos. De outro, o engajamento, uma tomada de posição que se apropria da popularidade do cinema e evidencia sua potência política.
Para isso, Leigh se inspira claramente em Dickens e consegue restituir com vivacidade os tipos das camadas populares, sugerindo seus méritos e vaidades, evitando, assim, idealizá-los. Ao contrário, quando pinta a elite de patrões e magistrados, “Peterloo” prefere a homogeneidade, transformando-os em “vilões” caricatos.
Esta facilidade não impede “Peterloo” de alcançar seu objetivo de devolver aos indivíduos um papel, de reconhecer nas faces e nas falas o que se perde quando a história os reduz ao lugar de povo.
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