Salas de cinema deixaram de ser lugar para ver filmes há muito tempo. As antigas viraram templos evangélicos ou estacionamentos. As novas, para sobreviver, também exibem óperas, shows de rock e jogos de futebol, quando não estão lotadas de cadeiras vazias assistindo à história exemplar de um pastor.
“O Maior Presente” introduz outra camada nessa longa decadência ao usar a sala como espaço para veicular quase duas horas de publicidade sobre o perdão.
Vender bons sentimentos como anestésico contra a difícil realidade é algo tão antigo quanto o cinema. O final feliz, as aventuras escapistas e o riso leve sempre fizeram parte do arsenal do entretenimento.
Embalar os valores numa ficção era um modo de transmiti-los, e o público se diverte sem perceber a manipulação. “O Maior Presente” ignora tudo isso para martelar que o perdão vence tudo.
O ator, roteirista e cineasta espanhol Juan Manuel Cotelo acumula as principais tarefas. Escreve, protagoniza e dirige o filme como se fosse um abençoado.
Seu ponto de partida é a fórmula gasta do filme dentro do filme. Cotelo faz o papel dele mesmo encarnando um diretor às voltas com a rodagem de um faroeste. As brincadeiras com alguns elementos do gênero, como o tema da vingança e o duelo, flertam com a paródia. Por isso, aguardamos situações capazes de disparar o riso.
O prólogo cômico, no entanto, funciona apenas para introduzir o assunto. Até o fim, assistiremos a uma sucessão de histórias exemplares. O formato de documentário que o filme assume serve para demonstrar a veracidade de cada relato.
Vítimas de ataques terroristas em Londres, da guerra civil na Colômbia e do genocídio da minoria tutsi por extremistas hutus em Ruanda misturam-se às histórias menos trágicas de violência doméstica e de desentendimento matrimonial.
Cotelo entrevista vítimas, sobrepõe relatos a imagens e termina cada bloco com a mesma mensagem simplória de que basta perdoar para o mundo voltar a ser um paraíso.
O formato pobre e a mensagem pronta tornam “O Maior Presente” igual a qualquer programa que as TVs religiosas exibem o dia inteiro para hipnotizar fiéis. Então, só quem estiver precisando de uma dose adicional de “amor” precisa pagar para crer.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.