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Cinema

Filme que conta trajetória histórica do HIV merece ser visto e discutido amplamente

'Carta para Além dos Muros' consegue não apenas manter a atenção do espectador, mas provocar emoção

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Carta para Além dos Muros

  • Quando Estreia nesta quinta (26)
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Drauzio Varella, Marina Person, José Serra
  • Direção André Canto

A trajetória histórica do HIV no Brasil e um jovem que se descobre infectado no presente. Esses são os fios condutores do documentário "Carta para Além dos Muros", de André Canto, que ouve pessoas portadoras do vírus, médicos e outros agentes engajados no tratamento, no apoio aos doentes e no controle da epidemia.

O filme consegue, graças à qualidade das entrevistas, à minúcia da edição e à inventividade formal, não apenas manter a atenção do espectador por uma hora e meia, mas provocar emoção, riso –e revolta.

Um garoto descobre que tem o HIV na circulação. O que fazer? Primeiro, contar para a mãe que é gay. Ele explica: "Não dá para sair de dois armários ao mesmo tempo". Sua história, narrada em off ao longo do documentário, dá pistas sobre o estigma que envolve a Aids e a homossexualidade ainda hoje no Brasil.

No filme, ele usa um nome fictício, Caio, pois, dois anos depois de receber o resultado positivo, ainda não o assume publicamente. O nome homenageia Caio Fernando Abreu e, do mesmo modo, o título do filme faz referência às missivas que o escritor gaúcho publicou na imprensa na década de 1990, quando descobriu que estava contaminado.

A começar pelo título, as opções estéticas de "Carta para Além dos Muros" enfatizam o poder das palavras, capazes de criar brechas nas paredes, possibilitando o trânsito entre um lugar de intimidade (o estúdio) e o espaço aberto (a rua). A ambientação das entrevistas procura dar a ver esse fluxo entre o público e o privado, imbricados de maneira complexa na história da Aids.

O documentário é preciso ao apresentar as fases na evolução da epidemia: no estágio inicial, acreditava-se que a Aids acometia apenas homossexuais e era vista como um castigo por "mau comportamento"; depois, dissemina-se entre mulheres e crianças; finalmente, parece possível controlá-la, com a distribuição gratuita de medicamentos. Hoje, diz o infectologista Artur Timerman, a Aids é uma doença crônica manuseável, como a diabetes ou a hipertensão. Há precisão, também, no esclarecimento da diferença entre infectar-se, contrair a doença e ser um potencial transmissor.

Difícil dizer o que causa mais tristeza em "Carta para Além dos Muros". Em um depoimento cortante, Drauzio Varella descreve sua vivência em prisões, onde presos com Aids definhavam, isolados, sem qualquer tipo de amparo, e relembra a responsabilidade da igreja, que condenava o uso de preservativos.

Noutro, a artista plástica e ativista Micaela Cyrino, que nasceu com HIV, recorda a infância em abrigos, enquanto a mãe estava viva e já depois de perdê-la. Como colocar em palavras a saudade que se sente daqueles que partiram cedo demais, quando ainda predominavam medo, preconceito, desinformação?

Na história do HIV no Brasil, o momento atual é também de tristeza: depois de ter ocupado um posto de liderança no controle da epidemia, somos o país com mais casos de novas infecções. E a estrutura do sistema público de saúde para controlar a doença está ameaçada. Fica a constatação de que a doença seria de fácil tratamento, não fossem as implicações nos "tecidos psicossociais" de que fala o médico Ricardo Vasconcelos. Por isso tudo, "Carta para Além dos Muros" é um filme importante. Merece ser visto e discutido amplamente.

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