Galerista investigado pela operação Lava Jato diz seguir rotina na feira ArtRio

'Deram apoio total à galeria, todo mundo passou por aqui', dizia Carlos Dale

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Rio de Janeiro

O sol a pino durante o dia e o vendaval à tarde que deu ares dramáticos à marina da Glória só realçavam a beleza do lugar onde ocorre mais uma feira ArtRio. Mas colecionadores que chegavam aos montes à abertura dos VIPs nesta semana —o evento pagou a estada de uma centena deles no Copacabana Palace— não tinham como ignorar o grande bode na sala.   

Ele estava logo na entrada do evento. O estande da galeria Almeida e Dale, alvo de investigação da Polícia Federal por possível lavagem de dinheiro no caso que levou à prisão do filho do ex-ministro Edison Lobão, é um dos mais chamativos nos galpões à beira de uma baía de Guanabara hoje abarrotada de iates. 

Lá estão peças de Portinari, Guignard, Di Cavalcanti, Frans Krajcberg, Sergio Camargo,  entre outros modernistas de peso. São obras com valores de R$ 300 mil a R$ 6 milhões. 

O alvoroço era grande no primeiro dia de feira. E os Almeida e Dale, que vêm comprando galerias rivais na tentativa de criar um grande grupo que poderia dominar o mercado de arte no país, pareciam vender uma peça atrás da outra, negociando valores ao telefone e distribuindo beijos, abraços e apertos de mão.

“Deram apoio total à galeria, todo mundo passou por aqui”, dizia Carlos Dale, um dos sócios da casa paulistana alvo de busca e apreensão no início do mês. Ele, que aparece no inquérito da Lava Jato, evitou o assunto, mas disse não ver problemas para o futuro de sua galeria. 

“Não é da minha competência”, disse Dale, sobre a investigação policial em curso. “Sou uma galeria e trabalho com o mercado de arte. A gente está seguindo toda a nossa rotina e estamos mantendo tudo o que a gente se propõe a fazer.”

Isso envolve a recente compra da galeria Leme, um plano de fusão com a galeria Millan, que chegou a ser confirmado pelos envolvidos e parcerias com a galeria Mendes Wood DM e com a editora Capivara. 

Segundo pessoas próximas às negociações, a galeria também já vinha sondando outras casas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador para incorporar ao grupo.

Mas todos os planos parecem, no mínimo, abalados. Se tentou soar calmo durante a ArtRio, Dale pediu ao mesmo tempo para deixar a direção da Associação de Galerias de Arte do Brasil e também exigiu o desligamento de sua firma da agremiação, atribuindo a decisão a motivos pessoais. 

Segundo alguns dos maiores agentes do mercado, muitos se veem melindrados pelo caso de polícia que estourou às vésperas da segunda maior feira realizada no país —o evento que já foi um dos mais ambiciosos do calendário de arte global se restringe agora à América Latina e vai até o fim de semana na marina da Glória com 80 galerias da região.

Ali, por trás de sorrisos, drinques e beijinhos no ar, há uma preocupação latente com o que o escândalo pode significar para os negócios de um ramo já bem castigado pela atual recessão econômica. 

“Uma notícia dessas mancha a imagem do mercado como um todo, que em sua vasta maioria segue fazendo esforços para se manter”, diz Marcia Fortes, sócia da Fortes, D’Aloia & Gabriel, uma das maiores galerias do país, com espaços em São Paulo e no Rio. “Não existe mais a informalidade que você encontrava nesse setor há 20 anos.”

Fortes, no caso, vendeu uma tela de Beatriz Milhazes, uma das pintoras mais caras do país, a Márcio Lobão, que passou três dias na cadeia e agora aguarda em liberdade. Falando pela primeira vez depois da operação policial, a galerista, citada no inquérito embora não seja alvo de acusação, frisa que vendeu a obra pivô do escândalo por seu valor de mercado, recebeu a quantia exata pela transação, pagou impostos referentes a ela e guardou os recibos.

'A Serpente e o Pássaro', de 2014, de Beatriz Milhazes - Reprodução

Ela dá a entender que foi vítima de um esquema de terceiros e nega qualquer irregularidade nas contas da galeria.

De vestido florido e trança nos cabelos, Brenda Valansi, diretora da ArtRio, era toda sorrisos no vernissage. Ela, que acaba de assumir sozinha o comando do evento depois de comprar a parte de seus sócios que decidiram pular fora do negócio, relativizou a denúncia que atinge a Almeida e Dale, mas defendeu a crescente transparência do mercado de arte nacional.

“O que sei sobre isso eu li na imprensa”, diz Valansi, sobre o caso que envolve a galeria. “Mas não somos policiais, e hoje não há nada que os impeça de participar da feira.”

“O mercado de arte é muito romantizado, tipo aqueles filmes de roubo de obra de arte, de falsificação de obras. É como se esse mercado fosse uma coisa escusa, esquisita, mas não é verdade”, acrescenta. “Não tem espaço para esse tipo de prática e, se ainda existe, logo vai parar de existir. Não tem nada escondido.” 

Colaborou Gabriela Longman

O jornalista viajou a convite da ArtRio

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado na reportagem "Galerista investigado pela Lava Jato diz seguir rotina na ​​ArtRio", a galeria Almeida e Dale não adquiriu parte do acervo da Mendes Wood DM. As duas galerias dividem um acervo comum de obras do artista Rubem Valentim e essa parceria comercial está mantida por ambas as partes. Também diferentemente do publicado, Elisangela Valadares, ex-sócia de Brenda Valansi no comando da ArtRio, não deixou o mercado de arte. Ela se mudou para Lisboa, onde abriu a galeria Casa 70. 

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