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Livros de não ficção viram palco de flá-flu ideológico entre esquerda e direita

Pesquisa mostra que acusações e polarização política tomaram mercado editorial no Brasil

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São Paulo

De um lado, uma esquerda que chama o campo político oposto de fascista e o culpa pelo declínio da democracia. Do outro, uma direita que define seus adversários como idiotas e homicidas.

Nada de novo se o assunto fosse discussões em Brasília ou nas redes sociais. Mas, de acordo com um estudo recém publicado pelo Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP, esse é um retrato do mercado editorial brasileiro de não ficção, mais especificamente entre títulos de política e ciências sociais.

Ilustração capa Ilustrada 17/9
Ilustração Carolina Daffara

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram duas coisas: a lista de livros mais vendidos na Amazon brasileira sobre o tema e, depois, quais títulos também foram comprados por quem adquiriu as obras do primeiro ranking. No total, 1.038 livros foram considerados.

O resultado mostra que, entre publicações de política e de ciências sociais, há dois mercados separados que não se conversam, com livros de esquerda, de um lado, e livros de direita, de outro. Além disso, as obras com vendas mais significativas trazem conteúdos mais estridentes e se dedicam a atacar o campo oposto.

Do lado da esquerda, o estudo lista "Como as Democracias Morrem" e "O Fascismo Eterno". Na direita, "O Livro Negro do Comunismo" e os títulos de Olavo de Carvalho.

"A polarização é tão evidente que nem precisamos fazer um esforço interpretativo para categorizar os títulos", diz Pablo Ortellado, colunista da Folha e um dos autores da pesquisa.

A pergunta que fica, porém, é por que essa divisão existe. Segundo editores ouvidos pela reportagem, a primeira explicação é que o mundo inteiro está polarizado, o que respinga nas prateleiras das livrarias. Mas há uma segunda resposta: a polarização vende.

"Falas conciliatórias estão sem força, e livros que mostram os dois lados acabam não se saindo tão bem nas vendas", afirma Marcos da Veiga Pereira, sócio da Sextante e presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros). 

Ele cita um exemplo. Em 2017, Fernando Gabeira lançou pela Sextante "Democracia Tropical", sobre o Brasil pós-1988. "Ele escreve de um jeito seguro, mas manso. Acabou não atingindo as vendas que merecia", conta Pereira. Por outro lado, "A Classe Média no Espelho", de Jessé Souza, que saiu pela mesma editora no ano seguinte e tem tom mais contundente, é arroz de festa na lista de mais vendidos.

Segundo Pereira, há uma barreira quase intransponível entre esquerda e direita. "É uma pena, porque você prega para convertido. É sempre aquele 'não li e não gostei'."

Carlos Andreazza, editor-executivo da Record, concorda. "Uma coisa é analisar as vendas. Outra é avaliar se esses livros, de fato, conseguem refletir o que acontece no país hoje --e acho que não, porque isso depende do contraditório."

Para ele, os lançamentos se dividem entre uma direita eufórica que tenta ser hegemônica e uma esquerda histérica que não entende o movimento que a derrotou. "Eles são incapazes de dialogar e de aproveitar a oferta de títulos do campo oposto para criar um verdadeiro debate público", afirma.

O sociólogo Jessé Souza acredita que a avaliação de um livro não deveria ser feita pela sua ideologia. "É uma ideia falsa e tende a definir o bom caminho como o do meio, entre os extremos, o que coincide com uma percepção liberal do mundo", diz o autor. "Mas a posição liberal é conservadora da desigualdade e não tem nada de isenta ou neutra."

Steven Levitsky, autor de "Como as Democracias Morrem", no auditório da Folha, em visita ao Brasil em 2018
Steven Levitsky, autor de "Como as Democracias Morrem", no auditório da Folha, em visita ao Brasil em 2018 - Karime Xavier/Folhapress

Além do espectro ideológico, a segunda questão que surge a partir do estudo é se a Amazon consegue refletir fielmente o que acontece no mercado editorial como um todo. 

Isso porque, a cada livro visitado no site, o algoritmo da empresa indica outras obras parecidas, o que poderia influenciar a próxima compra do cliente e potencializar a polarização, fazendo com que o consumidor só seja exposto a determinado perfil de publicação. 

"A gente não sabe o quanto isso aumenta o efeito bolha", afirma Ortellado. "Mas nossa sensação é que o algoritmo até pode acentuar o fenômeno, mas não criá-lo", diz.

Pereira, o presidente do sindicato dos editores, acredita que páginas como a Amazon podem, sim, acentuar a polarização. "O algoritmo da livraria física é o livreiro. Ele não vai indicar para um leitor do Jessé Souza um lançamento do Olavo de Carvalho, claro. Mas pode levar esse leitor à seção de ciências sociais. E, lá, ele pode ter contato com o outro lado."

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