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Cinema

Luis Ospina misturou crítica social e deboche, ficção e realidade

Cineasta colombiano, expoente do cinema de Caliwood, morreu aos 70 anos

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Niterói

“É assim que o mundo acaba. Não com um estrondo, mas com um gemido.” Os últimos versos do poema “O Homem Oco”, publicado por T. S. Eliot em 1925, ressoam desde a manhã de sexta, quando morreu Luis Ospina, aos 70 anos.

Autor de mais de 30 filmes, o cineasta colombiano notabilizou-se por títulos que problematizavam as definições de documentário e de ficção, como o “Agarrando Pueblo. Os Vampiros da Miséria”, de 1978, “Um Tigre de Papel”, de 2007, e “Tudo Começou pelo Fim”, de 2015.

Nos últimos anos, o cineasta foi objeto de retrospectivas importantes, em cidades como Lisboa, Paris, Buenos Aires e Berlim. Adepto do autodeboche, Ospina começou a dizer que seriam “necrospectivas” —sabia-se que a morte estava à sua espreita.

No Brasil, “Puro Sangue”, “Sopro de Vida”, “Agarrando Pueblo” e “Um Tigre de Papel” foram vistos em mostras e festivais. Em 2015, o Festival Pachamama Cinema de Fronteira, em Rio Branco, exibiu oito de seus filmes e, em 2017, a Caixa Cultural do Rio de Janeiro acolheu uma extensa retrospectiva, com 29 títulos, sob minha curadoria.

Por que sua obra não encontrou ainda repercussão maior entre críticos, pesquisadores e cineastas brasileiros? É provável que, caso houvesse explicações, elas dissessem mais respeito aos pontos cegos da cinefilia brasileira do que à trajetória do cineasta.

Ao lado de Andrés Caicedo, Carlos Mayolo e Ramiro Arbeláez, Ospina está entre as figuras centrais da ebulição criativa que tomou conta da cidade do Vale do Cauca, no interior da Colômbia, no início dos anos 1970, e que tem como marcos a fundação da Ciudad Solar (moradia coletiva para artistas e intelectuais), do Cine Club de Cali e da revista Ojo al Cine. Cali, naquela época, era Caliwood.

 
 

Nascido em Cali em 1949, Ospina mudou-se para Los Angeles para fazer cinema na UCLA em 1969. São de seu período de estudante os curtas experimentais “Autorretrato (Dormido)” (1971), inspirado em “Sleep”, de Andy Warhol, e “O Bombardeio de Washington”, uma releitura de “A Movie”, de Bruce Conner.

Combinando crítica social e deboche, ele correaliza a partir daí uma série de filmes com Mayolo, numa profícua parceria que tem na figura do vampiro um pilar importante. 

De maneira literal ou metafórica, o ato de se nutrir com o sangue de outrem aparece de diferentes maneiras na obra da dupla. No curta-metragem “Asunción” (1975), a empregada de uma família burguesa fere-se ao abrir uma lata e deixa gotas de sangue caírem no molho que será servido à mesa. Em “Carne de sua Carne”, de 1983, que dialoga com filmes de George Romero, o vampirismo é expressão da desigualdade social sobretudo na zona rural colombiana.

O vampiro é, assim, base do movimento “gótico-tropical”, que tem entre seus expoentes o cinema de Caliwood.

Transfusões de sangue também aparecem em “Tudo Começou pelo Fim” (2015), último longa-metragem realizado por Ospina. A iminência do fim é o fio condutor do filme. Sua sequência inicial combina os versos de Eliot citados no início deste texto a imagens de explosões atômicas.

O documentário, exibido em importantes festivais internacionais, entrelaça duas narrativas. Há, em primeiro lugar, a história do Grupo de Cali. Além disso, o longa traz a trajetória do próprio Luis Ospina, que recebe um diagnóstico de câncer pouco antes de iniciar as filmagens. Dessa maneira, o documentário ganha ares de um filme de suspense: o cineasta conseguiria curar-se e sobreviver?

“Não recomendo a ninguém este remake de ‘Tudo Começou pelo Fim’ que estou vivendo”, escreveu o cineasta na semana passada, em seu perfil no Facebook. “As segundas partes nunca foram melhores."

Cinéfilo precoce, dono de uma elegância sem tamanho e de uma generosidade igualmente imensa, Ospina era um dos guardiões da memória do Grupo de Cali, impressa na colcha de retalhos que forma seu último longa e em suas publicações nas redes sociais. Vai fazer muita falta. 

Ainda que de maneira silenciosa, seu perfil no Facebook recebe dezenas de manifestações de pesar de amigos, críticos, cinéfilos e cineastas do mundo todo.

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