Dave Chappelle está a fim de polemizar, e o título de seu novo stand-up deixa isso claro. “Sticks and Stones” parte do dito popular “paus e pedras podem quebrar os meus ossos, mas palavras não me atingem”.
E palavras furiosas foi o que ele recebeu na maioria das críticas e principalmente nas redes, além de ameaças de cancelamento da assinatura do streaming caso o show não fosse tirado do ar. Não foi.
A Netflix não abandonaria um produto de sucesso pelo qual pagou US$ 60 milhões —quase R$ 240 milhões—por cinco stand-ups, sendo esse o terceiro. Chappelle parece ter previsto isso, já que estamos, segundo ele, “na temporada de caça às celebridades”.
Logo no comecinho do especial, ele lança um desafio: “Quero ver se vocês conseguem adivinhar quem eu estou imitando”. Aí adota uma voz meio Homer Simpson e começa a falar com um jeito bem bobão, cortado por “dãs”.
“Se você fizer qualquer coisa errada na sua vida e eu descobrir, vou tentar tirar tudo que você tem.” A plateia fica em dúvida, alguém arrisca um “Trump”, mas ele logo revela: “São vocês!”. Poucas risadas.
Ele sabe do risco que corre e segue adiante, todo politicamente incorreto. Faz piada com os LGBTs, comos acusadores de Michael Jackson no documentário “Deixando Neverland”, com o humorista Louis C.K. —um grande amigo dele que, segundo Chappelle, “morreu em um acidente de masturbação”— e defende o comediante Kevin Hart, que teve tuítes vazados com comentários homofóbicos.
Faz graça até com as imitações de chineses, apesar de alertar que é casado com uma asiática que não deixa ele fazer essa anedota em casa.
Chapelle se autointitula um “victim-blamer”, um “acusador da vítima”, e conta que, quando ouviu falar da surra que o cantor Chris Brown deu na cantora Rihanna, em 2009, perguntou: “O que ela aprontou?”. Cada provocação faz a plateia rir com gosto.
O especial só poderia ser feito por Dave Chappelle. Qualquer outro correria o risco de parecer um escroto metido a engraçado. Mas Chappelle tem charme, carisma e talento para levar o espectador mais impressionável até o fim do programa. Nada é por acaso, cada gesto, cada cara de safado ou envergonhado que faz, cada vez que anda para o fundo do palco como se ameaçasse ir embora, é tudo parte de uma obra bem formatada.
Chappelle não é um comediante insensível, ao contrário. Ele pode fazer piadas que desacatam minorias, mas é conhecido por ser um dos humoristas mais inteligentes de sua geração. E optou por, nesse especial, tocar na ferida entre o público e as celebridades, em que qualquer escorregão dos últimos será descoberto e julgado. Não há privacidade e ninguém pode dar um deslize, estão todos ultrassuscetíveis.
É mais ou menos assim: se Chris Rock se compara a um Jerry Seinfeld mais boca suja, Dave Chappelle se compara a um Larry David ainda mais desafiador. E é com o melhor do espírito de porco de Larry David que Dave olha para a câmera uma única vez e diz: “Vocês em casa, assistindo pela Netflix, não se esqueçam, vocês clicaram na minha cara!”.
Ou seja, quem não gostar do que ouvir, é só trocar de programa. Ou, vá lá, fazer um comentário na internet, afinal, como ele insinua no título, palavras não o atingem.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.