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Projeto social ajudou a contar história de jovem negro e gay em 'Sócrates'

Produzido com o Instituto Querô, drama nacional ganhou prêmios no Spirit Awards e em festivais brasileiros

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São Paulo

O nome Sócrates remete ao filósofo aos ouvidos de muitos. Outros têm como primeira recordação o célebre jogador do Corinthians que participou das Diretas-Já. Mas, para o personagem-título do filme “Sócrates”, o nome é a única herança que ficou de sua mãe —a visão do corpo inerte dela abre a trama.

É a morte inesperada da matriarca que rege o longa. Agora sozinho, Sócrates —batizado assim por causa do craque, mas que não é visto com bola no pé em nenhum momento— precisa se virar para pagar o aluguel, pôr comida na mesa e não ser encontrado por uma assistente social.

Menor de idade, busca trabalhos informais em todos os cantos. Num deles, acaba se envolvendo com um outro garoto numa briga que, por mais feroz que seja, não é capaz de mascarar a tensão sexual latente entre os dois. Eles acabam na cama e Sócrates logo cria uma dependência em relação a Maicon.

O conflito LGBT, envolto em questões raciais e de classe, fez “Sócrates” embarcar numa espécie de jornada da representatividade. Saiu do Spirit Awards, principal premiação do cinema independente, com o troféu Someone to Watch, dedicado a novos cineastas. Lá ainda concorreu na categoria de melhor ator e ao prêmio especial para filmes de baixo orçamento.

Também passou por festivais em Guadalajara, Los Angeles e Miami. Em casa, venceu três prêmios no Festival Mix Brasil —filme, direção e ator—, um na Mostra de Cinema de São Paulo —menção honrosa do júri— e outro no Festival do Rio —melhor ficção do cinema queer.

Na visão do diretor Alexandre Moratto, o reconhecimento internacional ajudou a gerar interesse pelo filme no Brasil, o que culminou em sua aparição na lista de pré-selecionados para tentar uma vaga do país no Oscar —“Sócrates” acabou preterido por “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, mas a escolha não o desanimou.

“Pensa que a gente fez um filme só com US$ 20 mil [cerca de R$ 83 mil], aí aparecemos nessa lista. Eu vi os nomes que iriam selecionar o representante e, só de estar lá e de ser contemplado por esses grandes profissionais, já foi uma honra”, celebra o diretor.

Mas não foi só o baixo orçamento e o olhar generoso que fizeram “Sócrates” surfar na imagem de pequeno gigante. A forma como foi produzido, pelo Instituto Querô, também orgulha Moratto.

Em Santos, cidade do litoral paulista onde se passa a trama, a organização constrói, desde 2006, uma ponte entre jovens da periferia e o setor audiovisual, por meio de oficinas e produção de curtas. “Sócrates” foi o primeiro longa deles e também de Moratto.

Nascido nos Estados Unidos, o cineasta filho de uma brasileira foi voluntário no projeto numa de suas habituais passagens pelo Brasil. Saiu de lá com a ideia de retornar para fazerem um filme juntos.

“Essa experiência me marcou muito e, desde então, passei por muitas coisas”, diz. “Minha mãe morreu, eu voltei para o Brasil para ficar um tempo aqui e me reconectei com meus amigos do Querô. A ideia para o filme veio, eu apresentei e fechamos essa parceria.”

Foram cerca de 60 jovens envolvidos na produção de “Sócrates”, de captadores de som a Thayná Mantesso, uma das roteiristas. Moratto conta que, por serem moradores da periferia santista, eles ajudaram a tornar sua história verossímil.

“O que diferencia esse filme é que as pessoas que vivem essa realidade o fizeram, tornando a trama autêntica e respeitosa. Eu tenho muito orgulho de poder gerar empatia com o filme e de unir as pessoas, porque falamos de algo que é universal, de dor e sofrimento. E isso não tem raça ou orientação sexual, isso é humano.”

Foi esse pensamento que o levou ao encontro de seu protagonista —Christian Malheiros é outro jovem da periferia de Santos, agora alçado à fama pelo seriado “Sintonia”, da Netflix, em que vive um garoto que se envolve com o tráfico.

“Quando abriram os testes para ‘Sócrates’, eu não tive interesse, achava que não era pra mim”, conta o ator. “Eu estava dando aula em um projeto social de teatro e perguntaram se alguém da turma queria tentar. Os alunos não quiseram e insistiram que eu fosse.”

O caminho de Malheiros cruzou com o cinema graças ao antigo programa Mais Educação, do governo federal, que de acordo com ele é “cheio de talentos para serem descobertos”, como no Querô.

“Eu sou um jovem negro da periferia e iniciativas como essas são ferramentas de transformação para jovens como eu, que não têm perspectiva e estão próximos do caminho das drogas.”

Mesmo com essa temática e do modo como “Sócrates” foi produzido, o ator diz que a ideia nunca foi militar por meio do filme. “Nós não levantamos bandeiras, nós estamos falando de uma vida normal. Tocamos em rejeição, homofobia, negritude, juventude, periferia, estrutura familiar, falamos de várias coisas. Então as pessoas assistem ao filme e podem se identificar com diversos aspectos do personagem.”

A cena mais difícil de fazer, conta Malheiros, foi a que o protagonista precisa comer restos de comida do lixo, algo que o remeteu a seu passado, quando chegou a passar fome. “Todos esses jovens que trabalharam no filme têm um pouco de Sócrates.”

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