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Soprano Jessye Norman produzia um volume vocal capaz de encantar

Em lugar de imitar estilo dos musicais de Hollywood, ela tomou o caminho aberto por compositores como Mahler e Verdi

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Circula pela música lírica americana a versão de que a abundância de boas vozes se deve a uma base formada por milhares de igrejas, nas quais o canto funciona como centro de formação e base de recrutamento. Jessye Mae Norman, por sua estatura artística, foi bem mais que isso.

Ela entrou para o repertório lírico por ouvir pelo rádio transmissões semanais de ópera. Já cantava na igreja antes de completer cinco anos de idade, mas foi na Universidade Howard, em Washington, que mergulhou no repertório no qual seria uma das melhores cantoras líricas dos Estados Unidos.

Entrou na carreira por uma porta mais trabalhosa. Em lugar de imitar o estilo leve dos musicais com que Hollywood encantava comercialmente seus conterrâneos, ela tomou o caminho aberto por compositores como Richard Wagner, Gustav Mahler ou Giuseppe Verdi, cujas partituras exigem vozes mais encorpadas, carregadas de uma forte energia dramática.

Não se contentava com o repertório no idioma inglês. Sabia que na profissão que escolheu as partituras de prestígio estavam em italiano ou alemão. O que exigia dicção para satisfazer, na Europa, produtores de casas líricas e grandes regentes.

A Jessye Norman dos anos 1970, quando sua carreira decolou na Deutsche Oper de Berlim, ia bem além dos estereótipos da mulher negra e corpulenta, que produzia um volume vocal capaz de encantar.

Uma das primeiras produções em que atuou, um "Tannhäuser", de Wagner, no papel feminino de Elizabeth, já trazia uma dramaticidade enérgica, um tanto alheia à ideia da mocinha apaixonada e frágil que por vezes o papel ganhou na história da fonografia.

Era para tanto auxiliada por uma extensão extraordinária de sua voz, com uma afinação impecável nas notas mais graves, sem perder a delicadeza nos agudos de uma soprano dramática.

Aos 26 anos já cantava Meyerbeer e Mozart na Itália. Passou também a frequentar Londres, onde foi estimulada pelo maestro Colin Davis.

Mas foi no papel de Condessa, em "As Bodas de Fígaro", um dos mais difíceis e emblemáticos do repertório mozartiano, que Jessye Norman fez com que a crítica notasse sua maturidade precoce. Ela ainda não tinha 30 anos, e já faria no La Scala, de Milão, uma "Aída", de Verdi

Jessye Norman passa então a cultivar os cacoetes próprios a uma prima donna. Rejeita papeis que lhe são oferecidos, por mais que tenha a voz necessária para cantá-los. E passa a cancelar compromissos para os quais foi convidada. Ela por duas vezes, por exemplo, enfureceu por sua ausência empresários brasileiros.

O público mais bem informado na Europa e nos Estados Unidos passou a enxergar em Jessye Norman não apenas a cantora que subia ao palco para cantar em óperas. Sua imagem já era o bastante sólida para que ela se aventurasse —com bastante sucesso— como recitalista, acompanhada ao piano. E o fazia em Paris, Frankfurt, Edimburgo ou San Francisco.

Também passou a ser uma figura constante nos grandes festivais, como o de Aix-em-Province e Salzburgo.

E seu repertório continuava a se ampliar, sem que sua voz demonstrasse inadequação. Gravou Richard Strauss (sua versão de "As Quatro Últimas Canções" é antológica), compositor que exige uma doçura e por vezes malabarismos extraordinários. O mesmo vale para canções de Arnold Schoenberg.

Norman, a partir dos anos 1980, deixou de ser uma personalidade musical para os iniciados. Tornou-se celebridade, aplaudida por multidões que não percebiam os primeiros sintomas do cansaço de sua voz. Sentindo-se mais confortável nas sonoridades mais graves, por vezes aceitava um papel de mezzo-soprano.

Seu repertório operístico foi dos mais amplos, com pouco menos de 40 papéis. Mas ela se deliciou até o fim como recitalista. Nos últimos cinco anos cantou apenas o que desejava, sobretudo curtas peças que já não exigiam muito esforço de uma incrível septuagenária.

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