Americano se muda para morro e lança filme com retrato autêntico sobre favela

Trunfo de Pacificado, de Paxton Winters, é a atriz Cássia Nascimento, 15, criada na comunidade

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Cássia Nascimento do filme 'Pacificado', de Paxton Winters
Cássia Nascimento, atriz do filme 'Pacificado', de Paxton Winters - Divulgação
São Paulo

O diretor americano Paxton Winters mora há oito anos no Rio de Janeiro, dois deles no Jardim Botânico, bairro nobre, e seis no morro dos Prazeres. A escolha do endereço que ele ocupa até hoje tornou seu longa “Pacificado” um ponto fora da curva se comparado a outros retratos da favela no cinema e na TV.

Fora da curva no bom sentido. O espectador terá contato não apenas com uma história na favela. O filme escapa de um dos estigmas do “favela movie”, aquele que, como “Cidade de Deus” (2002), traz a visão de artistas que veem o morro de uma perspectiva externa. 

Centrado na história de uma menina em busca de seu pai, o filme traz a assinatura de um estrangeiro que só conseguiu criar a partir da colaboração de muitos de seus vizinhos.

Por trás de “Pacificado”, que terá sessão nesta sexta (25) e na segunda (28) na Mostra de Cinema de SP, há bastidores que revelam esse processo colaborativo. As gírias usadas e o português falado pelos personagens pobres soam naturais porque havia um morador da favela na equipe de roteiristas. 

Antes de vir ao Brasil, Winters morou em Istambul por 18 anos. Conheceu uma brasileira em Nova York, iniciou um namoro e mudou para o Rio de Janeiro com ela em 2010. 

Assim como em Istambul, ele trabalhava como cinegrafista e produzia imagens para o noticiário internacional. 

A relação amorosa durou um ano e meio, mas nesse tempo ele fez um “grande amigo”, Welington Magalhães, que o auxiliava quando ele precisava produzir imagens no Morro dos Prazeres, comunidade na qual Magalhães é uma espécie de líder. Magalhães teve um sebo no centro do Rio, que pegou fogo em 2009. Ele passou quatro meses em depressão e refez a vida com a ajuda de amigos, como Winters.

O cineasta havia decidido voltar para Istambul depois que seu casamento fracassou, mas Magalhães insistiu para que ele ficasse no Rio —e também para que se mudasse para o morro dos Prazeres.

“Eu dizia para ele que aquilo ali tinha muita história, e que ele precisava ouvir essas histórias para criar algo”, diz Magalhães. “Muito do trabalho dele foi de ouvir, Paxton é um excelente ouvinte”, afirma.

O americano topou a proposta. Comprou uma casa de dois andares e reformou a residência para ganhar um piso a mais, seu escritório. No lugar em que havia uma pequena janela, ele abriu um janelão que o permite ter vista ampla para o mar e o Pão de Açúcar.

Foi na favela que roteirizou, junto com Magalhães, a história de Tati (Cássia Nascimento), uma menina que vive uma busca incerta por sua identidade familiar, tendo como referência paterna um homem que já tinha sido comandante do tráfico e que volta à favela, após anos como detento, com a intenção de refazer a vida.

Cássia nem pensava em ser atriz. Ela é estudante, moradora da comunidade dos Prazeres. Sua mãe é faxineira e seu pai tem um mototáxi. Ela vive em uma casa de três quartos com quatro irmãos, diz que não está estudando hoje mas que pretende voltar em breve.

“Minha vida é uma coisa meio complicada e eu mesmo não me entendo às vezes. Tem dias que  estou bem, e do nada fico irritada. Choro por nada, mas sempre tenho minha mãe me apoiando. Esse trabalho não só pôde melhorar minha vida como teve o poder de mudar meu humor”, afirma.

Sobre a personagem, Magalhães diz que há realidades similares naquele mesmo morro. “São muitas as Tatis por aqui, essas meninas que querem conhecer seus pais”, diz.  Mais um elemento do filme originado das histórias ouvidas entre moradores.

Pacificado

  • Quando Sex. (25), às 16h, no IMS (av. Paulista, 2.424); seg. (28), às 18h10, no Espaço Itaú - Augusta (r. Augusta, 1.475)
  • Onde Mostra de SP
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Bukassa Kabengele, Cassia Gil e Débora Nascimento
  • Produção Brasil/EUA, 2019
  • Direção Paxton Winters
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