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Bailarina se vê fora de lugar em 'Pacarrete', vencedor do último Festival de Gramado

Dançarina idosa quer fazer apresentação de balé na festa de aniversário da cidade, mas prefeitura quer show de forró

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Porto Alegre

Uma bailarina idosa da cidadezinha de Russas, do interior do Ceará, quer presentear os moradores com uma apresentação de balé durante a festa de aniversário do município. A prefeitura, porém, planeja shows de forró para a data. 

A ambição da dançarina aponta a inadequação de Pacarrete, a protagonista que que dá nome ao filme ganhador de oito prêmios Kikito no último Festival de Gramado, em agosto, onde foi saudado quase como um “novo clássico” do cinema brasileiro. 

Pacarrete fala francês, é professora aposentada de balé e acompanha a cotação do euro como se estivesse prestes a viajar para a Europa. Mas também grita com quem se atreve a pisar na calçada de sua casa e gosta de elogiar sua magreza diante da irmã, com quem mora.

“A plateia tem empatia por essa personagem. Apesar de ela ser berrante e inconveniente às vezes, ela desperta um sentimento de humanidade”, afirma  o diretor Allan Deberton. Este é o seu primeiro longa e a estreia lhe garantiu os prêmios de melhor filme —tanto do júri como da escolha popular—, direção e roteiro no festival gaúcho. 

“Me acho muito parecida com ela. Ela lutava pela arte, pela cultura. Sou uma atriz do  interior e me identifico. O que a gente quer é respeito e espaço para que possa se apresentar”, diz a atriz Marcélia Cartaxo, que interpreta Pacarrete. 

Cartaxo, que interpretou a Macabéa de Clarice Lispector no filme “A Hora da Estrela”, levando o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim de 1985, foi também premiada por sua interpretação em Gramado por “Pacarrete”.

Ela teve aulas de balé com a coreógrafa Wilemara Barros, aprendeu piano e teve lições de francês. No filme, ela aparece dançando com sapatilha de pontas. “Bailarinos profissionais começam desde criança. Eu ensaiei todos os dias, com alongamentos pesados. É difícil, é dolorido, tomei muito remédio para dor”, afirma a atriz de 57 anos. 

Na tela, Cartaxo aparece muito mais velha. A maquiagem especial, com rugas no rosto, mãos e braços, levava horas para ficar pronta. A voz também precisou mudar, ficando mais rouca e estridente. 

“Pacarrete” é inspirado em uma história real, da bailarina Maria Araújo Lima, que viveu em Russas, cidade natal do diretor, nascida possivelmente em 1912 —Deberton encontrou documentos com diferentes datas— e já morta. 

Ela adotou o nome artístico que, em francês (“pâquerette”), quer dizer margarida. As flores aparecem nas suas roupas e colorem as cenas. Há referências a “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001), “Crepúsculos dos Deuses” (1950) e a Charles Chaplin. 

Na infância, Deberton via Pacarrete lavando a calçada e gritando com as crianças, “que perturbavam seu juízo”. 

Há cerca de dez anos, gravando um curta com Marcélia Cartaxo, disse à atriz que gostaria que, no futuro, ela interpretasse Pacarrete. Ele chegou a filmar depoimentos de pessoas próximas à bailarina e do amigo Hermano. No filme, ele é o personagem interpretado por João Miguel. “Ele era essa pessoa mais afetiva, que cuidava dela”, conta o diretor. 

Vencedor de Gramado, “Pacarrete” é um filme de baixo orçamento que contou com um edital voltado a esse tipo de produção, vindo do extinto Ministério da Cultura, que destinou R$ 1,25 milhão ao projeto.

Deberton teve outro projeto, para televisão, afetado por um edital suspenso após críticas de Jair Bolsonaro. No tapete vermelho em Gramado, profissionais do audiovisual protestaram e ouviram xingamentos de pessoas que estavam nos bares do entorno. 

“Jogaram restos de comida, guardanapos, pedras de gelo, mas a gente resistiu”, conta Cartaxo. “Foi possivelmente o dia mais feliz, pelo reconhecimento [do filme], e o mais triste da minha vida. Fortes já estamos, mas é um trabalho cansativo o de tentar buscar humanidade enquanto a gente devia tê-la por natureza.”

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