Theo Decker é um sujeito feito de perdas. O pai fugiu, a mãe morreu em um ataque terrorista, ele sofre lapsos de memória e não consegue ter a garota que ama. As primeiras imagens de “O Pintassilgo” apresentam o personagem em uma situação limite. Como um garoto tão dócil, mais tarde rapaz perfeito, chegou àquele estado?
A adaptação do caudaloso romance de Donna Tartt, vencedora do Pulitzer de ficção em 2014, procura simular a vertiginosa narrativa do texto literário. Os zigue-zagues no tempo, sobrepondo camadas de passado e presente, movem a narrativa, mas as duas horas e meia da duração e o desequilíbrio entre as partes atrapalham a eficácia do longa.
A infância de Theo é contada de forma sóbria, sem sobressaltos melodramáticos. Embora tenha perdido a mãe em circunstâncias traumáticas, o garoto se adapta ao convívio com a família Barbour. A frieza dos tons da fotografia do mestre Roger Deakins acentua o estado de espírito melancólico do protagonista tanto como reflete a natureza doméstica dos Barbour, os quais Theo descreve como “animais empalhados”.
Nicole Kidman, soberba no papel de Mrs. Harbour, projeta uma imagem materna ao mesmo tempo afetuosa e inalcançável. A textura emocional e a revelação do segredo que Theo guarda se integram, tornando esta a etapa mais atraente de “O Pintassilgo”.
A primeira ruptura, geográfica e emocional, sustenta a história graças à entrada de Boris, garoto pálido e encoberto de sombras que passa a ser um duplo marginal de Theo. Oakes Fegley, que interpreta o protagonista pequeno, e Finn Wolfhard, no papel de Boris jovem, atuam como cúmplices, oferecendo sensações autênticas da corda bamba da adolescência.
O salto para o presente traz problemas para o filme. O mais evidente está na mudança do ator para o papel de Theo adulto. As carinhas e boquinhas parecem ser o único recurso de atuação de Ansel Elgort, o que o torna atraente, mas apaga as outras camadas de Theo.
O lado sombrio do personagem, suas perdas e, sobretudo, o segredo que move a trama são diluídos em um suspense artificialmente acelerado. O subtexto sobre a interdependência entre a vida e a morte, tema que acompanha a sinuosa carreira de Theo, some e o que sobra é Ansel Elgort interpretando, agora de terno, o Baby de “Em Ritmo de Fuga” (2017).
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