Acompanhar o cinema chinês à distância e na dependência do humor inconstante dos festivais pode dar a impressão de que o país produz quase só dois tipos de filmes. De um lado, tramas históricas combinadas com muita ação e visual exuberante. De outro, dramas contemporâneos que focalizam o indivíduo desorientado frente à transformação acelerada e à coletividade colossal.
“Três Aventuras de Brooke”, primeiro longa da diretora Zhu Yuan Qing, inscreve-se em outra tradição do cinema asiático, a da crônica lírica, mais conhecida na versão japonesa. A obra integra a programação da Mostra do Cinema Chinês que começa nesta sexta (4), em São Paulo, e vai até o dia 13 de outubro.
Nosso olhar impaciente para experiências contemplativas pode não encontrar interesse nessas ficções que se detêm tanto no cotidiano. Entregar-se a esse tipo de estímulo, porém, permite enxergar aspectos que a compulsão de consumir tudo ao mesmo tempo torna imperceptíveis.
Brooke é uma jovem chinesa em viagem à Malásia. Enquanto ela dá uma volta de bicicleta para conhecer uma pequena cidade, o pneu fura e ela precisa pedir ajuda. A partir dessa situação que parece não ter muito a oferecer, o longa tece uma narrativa baseada numa lógica aleatória.
As três aventuras tornam-se, assim, variações do que pode ocorrer a partir de uma mesma situação, o pneu furado, mas que germinam em direções distintas e não contraditórias.
O primeiro encontro de Brooke é com uma jovem que a leva para conhecer o vilarejo e a ensina a evitar as armadilhas para turistas. No segundo, Brooke conhece três rapazes e se opõe à concepção que eles têm do passado como entrave à modernização. O terceiro a coloca em contato com um sessentão francês que viaja em busca de uma experiência quase mística.
A aparição de Pascal Gregory, ator recorrente na filmografia do diretor francês Éric Rohmer (1920-2010), reafirma a filiação da diretora estreante a uma proposta de cinema que busca alcançar a revelação por meio de longas conversações e da atenção ao que parece superficial.
As variações adquirem um sentido musical à medida que o início se repete, mas a progressão altera o tom. O engenhoso dispositivo narrativo permite da mesma forma que a diretora aprofunde a cada vez suas indagações relacionadas à experiência do tempo.
Este se repete como os dias ou o que vemos e vivemos a cada vez se acumula alterando a percepção? O passado, mesmo que não seja o da nossa memória, não nos afeta ou permanece no mundo como uma espécie de camada geológica? Por fim, é possível superar as mágoas, traumas, perdas que se amontoam para tentarmos ser melhores ou diferentes?
Embora tais questões pareçam pertencer ao mundo dos livros e da filosofia, Zhu Yuan Qing mostra, com a aparente ligeireza de “Três Aventuras de Brooke”, que cedo ou tarde elas batem à porta.
Confira outros títulos da mostra de cinema
"Garotas Sempre felizes" (2018), de Yang Mingming
"Um Primeiro Adeus" (2018), de Wang Lina
"Lembre-se de mim, por favor" (2017), de Peng Xiaolian
"Flores Vermelhas e Folhas Verdes" (2018), de Liu Miaomiao
"Entrando na Cidade Proibida" (2019), de Hu Mei
"Viver e Morrer em Ordos" (2013), de Ning Ying
"A Travessia" (2019), de Bai Xue
"Um Primeiro Adeus" (2018), de Wang Lina
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