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Cinema

Em filme que ecoa passado e presente da China, história se traduz em pura emoção

Tempo da memória marca longa chinês 'Até Logo, Meu Filho', sobre tragédia familiar

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Até Logo, Meu Filho

  • Quando Mostra de SP: qui. (24), às 18h20, no Reserva Cultural (av. Paulista, 900); dom. (27), às 18h, no Espaço Itaú - Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569)
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Ai Liya, Du Jiang e Li Jingjing
  • Produção China, 2019
  • Direção Wang Xiaoshuai


A morte de uma criança é o ponto de partida trágico de “Até Logo, Meu Filho”. Mas o modo como este acontecimento decisivo é apresentado, primeiro, à distância, depois, fora de campo, introduz uma estética discreta que as três horas de duração do filme obedecem com rigor.

Em vez de explorar os efeitos traumáticos para o casal Yaijun e Lyiun da perda do filho, o relato faz um desvio com uma cena de família na qual reconhecemos os pais, mas não sabemos definir quem é o garoto mais velho presente ali.

Este registro da intimidade composto a partir de um movimento suave da câmera que  revela o espaço doméstico introduz um elemento, a família, central na história. O garoto em cena, no entanto, é um ponto cego na trama. Será outro filho? Ou a morte terá sido imaginação, uma pista falsa?

O artifício adotado pelo diretor Wang Xiaoshuai ajuda a alertar o espectador desatento para não confiar na linearidade. Logo confirmamos que as cenas não seguem a ordem cronológica e que o tempo da narrativa é associativo ou evocativo, tal como a memória.

O funcionamento indireto e indeterminado da memória substitui o da história regulada por fatos, causas e efeitos. Assim, “Até Logo, Meu Filho” resgata as experiências individuais, o que passa despercebido quando as narrativas são institucionalizadas nos livros e nas versões oficiais.

Os efeitos das transformações políticas e econômicas da China após a morte de Mao Tsé-tung aparecem projetadas em diversos momentos do drama de Yaijun e Lyiun, antes e depois da morte do filho.

O casal viveu, quando jovem, o impacto da Revolução Cultural, programa de reeducação que significou a humilhação ou a eliminação de milhões de indivíduos “oponentes”.

Quando adultos, Yaijun e Lyiun sofrem diretamente os efeitos da política de controle populacional que proibiu os casais de ter um segundo filho.

Mais velhos, os personagens têm de se adequar ao novo modelo econômico que elimina seus empregos, obrigando-os a reinventar a sobrevivência. O filho adotivo também representa a mudança de valores com um comportamento rebelde e consumista.

Em paralelo à condição passiva dos protagonistas, o filme pontua a mudança de status do casal Haiyan e Yingming. Melhor amiga de Lyiun, Haiyan era também representante local do Partido Comunista, portanto, das leis que impedem o casal de fazer escolhas.

O tempo longo no qual a trama é ambientada aparece na forma de signos. O passado revela-se, por exemplo, nos uniformes, que tornavam homogêneos o mundo do trabalho e o do cotidiano. No presente, ele aparece nas estátuas de Mao postas diante de shoppings.

Mas é no tempo subjetivo que o filme encontra sua linguagem e sua grandeza. Nele, abole-se a distância entre a política e a intimidade, e a história deixa de parecer neutra e se traduz em pura emoção.

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