Espetáculo mostra 'Fúria' da favela Maré com painel de imagens e loop hipnotizante

Companhia sediada no complexo carioca sobrevive a tiroteios e sem patrocínios oficiais brasileiros

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São Paulo

A diretora e os bailarinos da Lia Rodrigues Companhia de Danças passaram oito meses no Centro de Artes da Maré, na favela carioca, construindo e elaborando sua “Fúria”. O espetáculo, que estreou na França em 2018, iniciou sua temporada paulistana na quinta (10). 

Para a criação, a diretora, sua assistente Amália Lima e os bailarinos colecionaram imagens do dia a dia ou pessoalmente significativas, mas sem um tema específico. Uma pessoa sendo arrastada, outra comendo, pulando. Tudo bem livre, segundo Rodrigues. 

Cerca de 700 imagens coletadas foram separadas por categorias, formando quadros e, finalmente, um grande painel. Dele partem os movimentos e a coreografia, dando sentido às situações retratadas. 

“Não há uma história, é uma sucessão de quadros, um atrás do outro”, diz a diretora. 

Mesmo sem narrativa e com elementos aparentemente aleatórios, a criação é uma partitura para tempos de fúria. “Não só no sentido da raiva, fúria também como a energia que te faz agir no mundo, continuar existindo e criando.”

Ao contrário dos trabalhos anteriores, o espetáculo é apresentado em palco italiano e com música. Em “Fúria”, Rodrigues achou interessante dar uma “enquadrada” na avalanche de imagens da obra. Os bailarinos lidam agora com a quarta parede, a divisória imaginária através da qual o público assiste o espetáculo sem interferir na ação. 

Durante a montagem, a diretora usou cantos da Nova Caledônia, com ritmo muito marcado, para ajudar em improvisações e ensaios. A coreógrafa e os bailarinos-intérpretes perceberam que a trilha dava mais sentido à criação.

Composta por um trecho de música de um minuto e quinze segundos, a trilha é tocada em looping, causando uma espécie de transe: às vezes, não se ouve, mas a marcação continua com um som fantasma hipnotizando o público. 

Cenário e figurinos são um patchwork de referências. “Fomos catando todos os objetos jogados pelo Centro de Arte, restos de plástico, coisas não descartadas, meio lixo”. Da mesma forma foi
criado o figurino, misturando trapos e descartáveis a roupas de outras montagens.

No palco, a aparência de caos é ilusória. “Está tudo coreografado. Cada pedacinho de madeira tem o seu lugar exato para estar. Para continuar a existir nestes tempos, precisamos estar organizados”, diz Rodrigues. 

Na Maré, onde a sede da companhia foi instalada há 15 anos, Rodrigues aprende todo dia como sobreviver e criar no caos. “Esses acontecimentos nas favelas, como crianças sendo assassinadas, existem há muito tempo. Ali, a vida diz sempre não e você tem que dizer sim todo dia.” 

O trabalho na Redes da Maré, incluindo o Centro de Artes, de onde vieram vários bailarinos da companhia, alimenta a artista e a cidadã. “Uma coisa não vai sem a outra.”

No elenco de “Fúria”, estão quatro bailarinos vindos da escola de dança do Centro de Artes, onde Rodrigues também dá aulas. 

Há mais de uma década, a companhia estabelecida na favela não recebe patrocínio brasileiro. Sobrevive de turnês e parcerias internacionais. “Fúria” foi coproduzida, entre outros, por instituições como Théâtre National de la Danse, de Paris, Fundação Hermès, Teatro Municipal do Porto, de Portugal, e festivais na Alemanha e na Bélgica.

Fúria

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