“Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, inaugurou um novo filão no cinema brasileiro, o “favela movie”. O termo, normalmente usado assim mesmo, em inglês, em vez de traduzido, é pernicioso, pois pressupõe uma internacionalização de um problema social brasileiro pela via do exotismo.
Paxton Winters é um cineasta e fotojornalista americano que morou oito anos no Morro dos Prazeres. Isso lhe deu condições para fugir do rótulo, uma vez que seria tentador empregá-lo em seu segundo longa na direção, “Pacificado”, simplesmente por sua nacionalidade.
Mas o olhar estrangeiro pode ser agudo e justo, como o cinema assim demonstrou muitas vezes (Fritz Lang nos EUA, por exemplo). Não há problema algum em termos um diretor estrangeiro abordando um tema bem brasileiro.
E “Pacificado” avança alguns degraus na representação recente de uma comunidade carente em nosso cinema. Mas a aproximação da trama com o padrão hollywoodiano, no caso, é um problema, pelo excesso de convenções da narrativa.
O ponto de vista predominante, pelo menos no início, é o da garota Tati (Cassia Gil), que não conhece o pai, ensaia passos de funk com a amiga Letícia (Rayane Santos) e vê a mãe, Andrea (Débora Nascimento) se afundando no vício.
Jaca (o ator belga Bukassa Kabengele), ex-líder do tráfico no morro, volta da cadeia, onde passou 14 anos (mais ou menos a idade de Tati). Sabemos logo que ele teve um envolvimento com Andrea, o que permite acharmos que na verdade Jaca (Jack?) é o pai de Tati (ela também acha isso, por sinal).
Mas o centro do filme é a quase inevitabilidade de Jaca voltar ao comando do tráfico, uma vez que o jovem que ele mesmo colocou em seu lugar, Nelson (José Loreto), tem modos demasiadamente violentos, desequilibrando a vida dos moradores locais.
Tal como Michael Corleone, o personagem de Al Pacino em “O Poderoso Chefão”, Jaca está mais interessado em outros assuntos: neste caso, a pizzaria que monta no início do morro.
De certo modo, isso quer dizer que há traficante bom e traficante ruim, divisão presente também na trilogia de Coppola. Há o que procura evitar que o crack se espalhe pelo morro e aquele que só quer dinheiro e poder.
Pena que no desenvolvimento da trama muito do que vemos nos parece mais do mesmo, desde a caracterização dos personagens maus até as soluções dramáticas adotadas dentro dos registros da vingança, do suicídio e da intimidação.
A violência é mais sugerida do que mostrada, o que é um ponto que o diferencia dos demais filmes de tráfico na favela. Mas há uma terrível exceção: o corte no rosto de uma adolescente, inserido para mostrar a maldade de Nelson. Afinal, é difícil resistir às facilidades do maniqueísmo.
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