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Cinema

Filme em homenagem a Rogéria, travesti da família brasileira, tem força política

A riqueza dos depoimentos de Jô Soares, Nany People, Bibi Ferreira e a potência transgressora da personagem fazem de "Rogéria" um filme que vale a pena

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Rogéria - Senhor Astolfo Barroso Pinto

  • Quando Estreia nesta quinta (31)
  • Elenco Bibi Ferreira, Nany People, Rogéria
  • Direção Pedro Gui

"Rogéria - Senhor Astolfo Barroso Pinto" é um filme-homenagem. O longa de estreia de Pedro Gui narra a trajetória do menino que nasceu no Cantagalo em 1943 e se tornou célebre nos anos 1960, como cantora, atriz, modelo e vedete transformista, a "travesti da família brasileira".

Iniciado com uma entrevista de Pedro Gui com Rogéria, o projeto mudou de rumo com a morte da artista, em 2017, aos 74 anos. Não se trata de um documentário puro, e tampouco uma "biopic" ou cinebiografia tradicional.

Há trechos dramatizados, em que passagens de sua vida são livremente reconstituídas e interpretadas por atores, e emocionantes depoimentos de seus irmãos e de personalidades importantes para sua história. 

O filme começa com a imagem de um garoto descendo uma escada, num trecho ficcional cuidadosamente filmado. É a união simbólica das duas pontas da vida da protagonista: a longa escadaria faz a ligação da infância de Astolfinho à performance de uma Rogéria já madura, passagem do mundo dos bastidores ao proscênio.

Num dos momentos de maior força política do filme, vemos, num registro dramatizado, o garoto Astolfinho ser chamado de "mariquinha" ao defender o irmão numa briga de rua e, depois, conversar sobre isso com a mãe. 

Ao pé da cama do filho, ela sugere-lhe que siga sua vontade, sem se preocupar com a opinião alheia. Mais tarde no longa vemos, agora numa imagem de arquivo, Dona Eloá Barroso autoproclamar-se a mãe de todos os homossexuais do Brasil. 

Noutro momento marcante, Aguinaldo Silva, que se lembra de Astolfo ainda menino, sambando num Carnaval, e Betty Faria, que o conheceu como maquiador na TV Rio, lembram a atuação de Rogéria na novela "Tieta", de 1989. Frente ao espanto dos pudicos personagens que contracenavam com ela, Rogéria, como secretária de Tieta, reforçava sua crítica à hipocrisia.

A riqueza dos depoimentos —de Jô Soares, Aderbal Freire Filho, Nany People, Bibi Ferreira— e a potência transgressora e divertida da personagem real fazem de "Rogéria" um filme que vale a pena, sobretudo nos tempos atuais, marcados pelo retorno de preconceito e intolerância. 

Há o sentimento de que a realização talvez pudesse ter ido mais longe se tivesse escolhido um caminho estético único —ou o documentário, investindo mais, por exemplo, em imagens de arquivo, ou a ficção. 

É impossível esquecer, porém, a figura cindida da protagonista: transformista, ela vivia no cotidiano a passagem do homem que nunca deixou de ser à mulher em que se tornava, numa produção que lhe custava horas de trabalho e prazer, até os últimos dias de vida. Figura adorada por homens e mulheres, celebrada na televisão aberta, Rogéria talvez fosse a prova de que é (ou era) possível manter a autenticidade e ainda assim ser um ícone de conciliação.

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