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Cinema

Filme sobre atos de 2013 é honesto com os fatos e evita concessões à esquerda ou à direita

Documentário é bem-sucedido em revelar consequências inimagináveis e incontroláveis de uma faísca nas ruas brasileiras

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O Mês que Não Terminou

  • Classificação 14 anos
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Francisco Bosco, Raul Mourão

Soa oportuno que "O Mês Que Não Terminou" chegue às telas agora, em meio às turbulências no Chile, onde o aumento na passagem do metrô serve de estopim para manifestações, e no Líbano, onde ganha corpo a revolta do WhatsApp, após o governo tentar taxar em 20 centavos ligações no aplicativo.

Se há algo que o documentário de Francisco Bosco e Raul Mourão é bem-sucedido em revelar são as consequências inimagináveis e incontroláveis de uma faísca como a acendida em 2013 nas ruas brasileiras.

O filme sobre as chamadas jornadas de junho joga o tema para a frente e alcança um horizonte mais longínquo do que seu título faz supor.

Passa por fatos políticos como a ascensão da Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff (PT) até desembocar na eleição de Jair Bolsonaro (PSL), tratado na obra como o beneficiário do espólio de 2013.

A direção consegue estabelecer nexos sem forçar interpretações simplórias ou errar no peso conferido a cada um dos fatores que fermentaram a massa daquele gigante prestes a acordar.

A opção foi por dar voz a quem pesquisou e tentou entender a convulsão. São análises que se completam sem resvalar em achismos ou teses vazias, o que valoriza o documentário e o diferencia diante de outros sobre o mesmo tópico e da infinidade de ensaios e artigos já redigidos a respeito.

São ouvidos, entre outros, o psicanalista Tales Ab’Saber, a socióloga e deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) e os economistas Laura Carvalho, Samuel Pessôa e Marcos Lisboa —estes três colunistas da Folha.

No conjunto, a narrativa (essa palavra...) é distanciada o bastante para espinafrar repetidas vezes os erros econômicos de Dilma e chamar de reacionários os apoiadores da "direita radical" personificada em Bolsonaro. O filme não recai em neutralidade anódina, é honesto com os fatos e evita concessões à esquerda ou à direita (embora esta apanhe mais).

Densa, a produção se desenrola em três fluxos —o dos entrevistados, o do texto narrado pela atriz Fernanda Torres e o de imagens de intervenções artísticas inseridas entre as falas.

Mesmo suficientemente atento, o espectador termina o longa sem respostas prontas. O que não é de todo mau: estão ali os elementos que provocam sinapses, reflexão e, talvez, desalento.

Junho, lembra o filme, foi se revelando um fenômeno complexo e confuso, resultado de influências externas, mas também de particularidades locais.

Como os protestos no Chile e no Líbano, a onda incorporou demandas mil e, seja como for, mudou a participação cidadã no Brasil, ao estabelecer uma nova cultura. Ou, nas palavras do documentário: "No lugar de país do futebol e do Carnaval, nos tornamos o país da política".

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