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Livro ilumina trajetória de crítico de cinema Ismail Xavier

Ensaios abordam seu pensamento sobre cinema brasileiro, mas falham ao não trazer reflexões sobre o momento atual

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Ismail Xavier: Um Pensador do Cinema Brasileiro

  • Preço R$ 59,89 (180 págs.)
  • Autor Org.: Fatimarlei Lunardelli, Humberto Pereira da Silva, Ivonete Pinto
  • Editora Sesc

Certos livros passam a impressão de homenagem póstuma. Por isso vale esclarecer logo de cara que Ismail Xavier está bem vivo, saudável e ativo.

Lembro-me de um de nossos últimos encontros, em João Pessoa. Eu estava chegando ao prédio da UFPB, Ismail acabava de sair de uma apresentação. Seu rosto era puro espanto: acabara de assistir a um jovem youtuber, com milhões de seguidores. 

Esse espanto condensa a vitalidade de seu trabalho —no cinema, as coisas nunca acabam, sempre há algo surpreendente com que se deparar. 

Inquietante, no caso. Depois de quase 50 anos dedicados ao estudo do cinema brasileiro, sua teoria, sua história, agora descobria como os meios eletrônicos e as redes sociais podem tomar o lugar da crítica, ocupar o espaço de reflexão e produzir uma nova, digamos, episteme, desorganizando —ou reorganizado, sabe-se lá— o edifício duramente construído na academia e, antes dela, nos cineclubes e jornais.

Daí ser quase inevitável apontar uma falha neste “Ismail Xavier - Um Pensador do Cinema Brasileiro”: nenhum inédito de Ismail, nenhuma palavra (em entrevista que fosse) sobre o momento atual, sobre o que pensar do sempre complexo estado das coisas do cinema brasileiro, ou sobre suas relações com Paulo Emilio, Jean-Claude, Maria Rita Galvão. Rudá de Andrade e outros nomes essenciais dessa história.

Outra ausência, que talvez pudesse suprir essa acima, seria a edição de uma parte da produção crítica de Ismail, quando, ainda aluno de graduação da USP, escreveu para o hoje extinto “Diário de São Paulo”. Esse segundo ponto é suprido, ao menos em parte, pela ótima pesquisa do crítico Marcelo Miranda, que tem o mérito de situar essa produção tanto em relação ao cinema brasileiro da época como em relação ao próprio Brasil.

O volume traz, ainda, belos ensaios produzidos por contemporâneos (Carlos Augusto Calil), por antigos alunos e hoje professores universitários (Tunico Amâncio, Fabio Camarneiro, Pablo Gonçalo), ou mesmo críticos cinematográficos (José Geraldo Couto), cada um dando conta de aspectos específicos na obra de Ismail.

Sobra espaço ainda para acadêmicos que dão conta de sua influência no exterior ou mesmo de seu legado. Destes, é preciso destacar as memórias de Robert Stam —a proximidade entre o seu pensamento e o do brasileiro, o apoio que ambos encontraram em Christian Metz e Jacques Derrida em seus primeiros trabalhos, a busca em Godard dos pressupostos que levaram à superação da estética clássica (da “transparência”) e à compreensão  de um cinema, então nascente, do Terceiro Mundo.

Refiro esses estudos de passagem, embora seja impossível não chamar a atenção para o humor que Tunico Amâncio permite que permeie sua intervenção sobre aquele a quem chama Mr. IX. 

Seu depoimento se abre assim: “Jorge Luis Borges dizia que ‘a história é nossa imagem da história’, e que esta sempre melhora, porque se inclina à mitologia”. Ao introduzir a mediação entre memória e história, história e mitologia, o artigo nos lembra que homenagens como a deste volume transitam entre essas três instâncias, ainda que acabem por se fixar na última.

O artigo é também oportuno, pois, ao transitar entre o ceticismo do gênio literário argentino e a militância obstinada de Ismail, enfatiza a dura, e não raro ingrata, busca de compreender e transmitir o significado do cinema na cultura brasileira. 

Se uma boa parte dos artigos deste volume serve a elevar Mr. IX à imobilizante categoria de personagem mitológico, nem por isso deixa de iluminar, para estudiosos presentes e futuros, aspectos centrais de uma trajetória inacabada e ainda muito produtiva

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