Um olhar hiperexpressivo sob a máscara de ópera chinesa é a primeira, mas não exclusiva, imagem de impacto de “Viver para Cantar”. Se a maquiagem estilizada nos projeta num universo de fantasia e de beleza, a sucessão de casas demolidas à beira da estrada disparam os sinais de um fim próximo.
Em seu segundo longa, Johnny Ma narra a destruição inevitável para a construção da novidade, o declínio de uns para a ascensão de outros. Seguindo o caminho traçado por Jia Zhang-ke, Johnny Ma filma como quem tenta evitar o apagamento.
A protagonista, Zhao Li, lidera uma trupe de teatro e dança cuja sobrevivência entra em risco quando ela recebe a notificação que deve desocupar o espaço onde o grupo vive e se apresenta. Ela se esforça para convencer o administrador local a proteger a atividade, enquanto vê a modernidade corroer uma forma de expressão que é também modo de vida individual e coletivo.
O resumo sugere um drama fiel ao tradicionalismo e uma visão desencantada do presente. Mas é a outra tradição chinesa, mais persistente, à qual o longa se filia, a que valoriza a capacidade realista do cinema, seu poder de capturar o impacto das transformações no chão da vida.
A posição de Zhao Li permite ao filme desvendar as contradições entre liberalismo econômico e liberdade individual, entre a China do comunismo totalitário para a do capitalismo não menos controlador e excludente.
No papel de líder, Zhao Li protege, mas também controla o grupo, como mostra sua relação com a jovem sobrinha que, atraída pela sereia moderna, tenta escapar. Por outro lado, Zhao Li tem de se curvar ao poder local para tentar preservar a atividade.
Esta encruzilhada prolonga-se no filme nas articulações contrastadas entre, por exemplo, o teatro mambembe e a boate, entre os velhos da plateia da atração tradicional e os jovens movidos a hiperestímulos.
As contraposições confirmam, afinal, a incapacidade de a tradição ser preservada em um mundo no qual o passado é considerado entulho. Sendo assim, só resta celebrar a fantasia numa espécie de último ato em meio às ruínas, numa afirmação final que sobreviver é insistir.
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