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Mundo 'palestinizado' é tema de filme que tenta vaga no Oscar de filme internacional

Elia Suleiman apresenta sem novo longa 'O Paraíso Deve Ser Aqui' na 43ª Mostra

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São Paulo

A certa altura de “O Paraíso Deve Ser Aqui”, o cineasta palestino Elia Suleiman, interpretando a si mesmo, tem uma proposta de filme rejeitada por um produtor francês. Ele elogia o roteiro, diz simpatizar com a causa palestina, mas justifica: seu filme não é suficientemente palestino.

Suleiman sempre enfrentou essa visão de que, como cineasta palestino, ele obrigatoriamente tinha de abordar em seus filmes o conflito entre Israel e Palestina.

Pois no novo filme, o diretor resolve subverter essa regra: ele mostra a “palestinização” do mundo. O longa começa na cidade natal de Suleiman, Nazaré, em Israel, e passa por Paris e Nova York, revelando como o estado de exceção tão tristemente característico dos territórios ocupados da Palestina também está presente nessas metrópoles. 

Está presente quando policiais em Paris perseguem um jovem e quando o filme contrasta a sofisticação das mulheres parisienses andando na frente dos cafés e a periferia decadente habitada por imigrantes africanos e árabes. Ou quando, em Nova York, Suleiman é revistado na área de segurança de um aeroporto, e, depois, começa a enxergar todas as pessoas armadas com fuzis circulando pelas ruas.

“Meu filme tenta abordar a expansão global da questão palestina, porque hoje todos os lugares vivem uma guerra não declarada”, diz Suleiman, no Brasil para participar da 43ª Mostra. 

“Em todos os lugares para onde o personagem principal vai, ele percebe que não se distanciou nem um centímetro da situação de seu país natal. Por causa da globalização e do pós-colonialismo, estamos na beira de um precipício, há um desespero existencial e econômico generalizado.”

“O Paraíso Deve Ser Aqui” foi escolhido para concorrer ao Oscar de filme internacional pela Palestina —uma lista com dez pré-indicados será divulgada em dezembro. 

Suleiman, 59, chega à entrevista avisando que se recusa a falar sobre política, a não ser que seja parte do contexto do filme. Mas começa a falar de política no mesmo instante, ao explicar porque não fala sobre o tema.

“Neste momento, discutir política só reforça o status quo, não existe nenhum equilíbrio [na questão Israel-Palestina]; existe um ocupante e um ocupado”, diz. “Israel nasceu 70 anos atrás sobre um cadáver, que é a Palestina, cresceu à custa do sangue de outras pessoas e continua assim até hoje. Eles se perpetuam com racismo, expulsão das pessoas e anexação de suas terras”, completa.

Nem a mudança de governo —o direitista israelense Binyamin Netanyahu desistiu de formar o governo, tarefa agora assumida pelo centrista Benny Gantz— lhe dá esperanças.

“Gantz foi quem iniciou a guerra em Gaza, que matou milhares de pessoas [Gantz era um dos líderes das forças israelenses em 2014, quando começou a guerra, que matou mais de 2.000 palestinos e 73 israelenses]”, diz. “Eu virei totalmente as costas para Israel, e proibi meu filme de ser exibido lá.”

Suleiman faz a ressalva de que tem muitos amigos israelenses —mas que não quer ter nenhuma relação com Israel. “Não estou boicotando indivíduos, estou me opondo a um Estado que se tornou completamente fascista.”

No novo longa, o conflito aparece em uma única cena: quando o personagem principal está deixando o país e passa por um carro em que dois policiais israelenses riem e experimentam óculos escuros, enquanto transportam no banco de trás uma mulher árabe vendada.

As reações à sua crítica sobre a palestinização do mundo têm sido divididas.

“Algumas pessoas se sentiram ofendidas, porque eu critico outras realidades. Eles têm permissão para falar sobre mim, mas eu não tenho para falar sobre eles”, diz.

“Se eu fosse para a França e dissesse que queria fazer um filme sobre um país miserável de terceiro mundo, talvez eles me financiassem, porque o filme ia render algumas lágrimas e o produtor ia achar que estava fazendo uma boa ação.”

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