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Obra mostra percalços de um coxinha sensível nos protestos de 2013

'Não gosto de ler. Ninguém gosta', diz o narrador de 'Os Dias da Crise', que já começa lacrando

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Os Dias da Crise

  • Preço R$ 44,90 (128 págs.)
  • Autor Jerônimo Teixeira
  • Editora Companhia das Letras

“Os Dias da Crise”, romance do escritor e jornalista gaúcho Jerônimo Teixeira, é mais uma ficção brasileira —como “Maior que o Mundo” de Reinaldo de Moraes, por exemplo— a ambientar a sua ação nas jornadas de junho de 2013. Mas se o narrador-personagem loser de Moraes desdenha participar do movimento em favor da breja com steinhäger no Farta-Brutos, o empresário de Teixeira arrisca-se entre os que protestam nas ruas.

Claro, não era só pelos 20 centavos, mas por tesão de Helena, professora de literatura brasileira da USP, estudiosa de gênero e de letras de MPB, com quem iniciara um namoro repleto de animadas batalhas sexuais de subjugação.

O escritor Jerônimo Teixeira - Marcus Leoni/Folhapress

E como Helena, já se vê, não é muito mais do que uma caricatura de professora e de intelectual, e não consta ser Dakota Johnson, não era só por ela também. Algo ia muito mal na sua firma que já demitira metade dos funcionários e acabara de contratar, para o lugar que seria seu, um jovem executivo especialista em produzir mágicas capazes de retirar firmas do vermelho e catapultá-las para um novo ciclo de prosperidade.

E como já sabemos, desde a primeira linha, de que tudo não passava de uma nova fórmula de picaretagem do mercado, de que os chineses eram cúmplices, ainda uma vez, não era só por isso. O relacionamento do empresário com a sua filha universitária idealista estava em crise, e ele, coincidentemente, haveria de encontrá-la na manifestação, vê-la ser ferida por uma bala de borracha e conduzi-la valentemente nos braços até o Sírio-Libanês, mesmo à custa de uma crise de hérnia de disco.

E se não for por nada disso, Teixeira tem um trunfo, digamos, erudito para o seu romance, ainda que o seu narrador já comece lacrando: “Não gosto de ler. Ninguém gosta”. Não o entendamos mal: embora cínico e mesmo que faça alarde disso, não é um “filisteu típico que vegeta nos ambientes corporativos”, pois já frequentara “os clássicos que interessam”.

O trunfo é a invenção de um autor, John Teufelsdröckh, que estudantes de letras logo reconhecem ser êmulo de outro autor fictício, Diógenes Teufelsdröckh, personagem do romance “Sartor Resartus”, do escocês Thomas Carlyle. Não precisariam tê-lo lido para isso, já que é muito referido pelo inventor-mor de autores, Jorge Luis Borges.

Pois o Teufelsdröckh de Teixeira é um guru empresarial que aconselha executivos a criar um “círculo da blasfêmia”, onde demolissem suas próprias crenças como exercício de argúcia negocial. Parece um conselho coerente com quem se chama “Merda do Diabo”. Se o autor inventado se chamasse Zé “Espírito de Porco” talvez desse na mesma, mas, claro, perderia um pouco do charme literário europeu.

Com o toque de Borges, e uma citação esperta de Thorstein Veblen, que a sexy professora de letras ignorava completamente e mereceu o silencioso rompimento, o empresário termina por ironizar o esnobismo cafona das classes abastadas de São Paulo, enquanto luta pelo difícil amor da filha.

Não será justo reconhecer que, neste ponto, um coxinha sensível atinge a perfeição?

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