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Racismo nos filmes de terror tem histórico dissecado em livro e documentário

'Horror Noire' traça panorama do gênero, passando por 'A Noite dos Mortos-Vivos' e a produção atual

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Claudio Gabriel
Rio de Janeiro

Um grupo de homens se aproximando parece ser a única salvação para Ben. Quando ele põe a cabeça na janela em busca de entender a situação, é acertado por um tiro.

Poderia ser uma cena catártica por si só, mas ela ganha outras conotações pelo fato de Ben ser negro e de o filme citado ser de 1968. A descrição é de “A Noite dos Mortos-Vivos”, dirigido por George A. Romero, uma das obras cinematográficas essenciais para entender a representação negra no cinema de terror.

Essa é uma das teses defendida pela autora e professora da Universidade de Michigan Robin R. Means Coleman, no livro “Horror Noire”, recém-lançado no Brasil.

“Em 4 de abril de 1968, Romero, junto do resto do mundo, ouviu a notícia de que o líder dos direitos civis e ganhador do Nobel da Paz, Dr. Martin Luther King Jr., havia sido assassinado. Dirigindo seu carro, ele tinha ‘A Noite dos Mortos-Vivos’ no porta-malas”, conta Robin.

Uma das estrelas do filme, Ben, o raro herói negro não estereotipado, de repente pareceu “poderosamente significativo”, segundo a autora. “Foi uma homenagem a King.”

“O fato de Ben sobreviver ao ataque de zumbis só para ser assassinado por uma milícia branca transformou ‘A Noite dos Mortos-Vivos’ em uma narrativa de realismo chocante”, afirma Coleman.

No livro, ela conta toda a trajetória histórica da representação de personagens negros no terror. Para falar de todos esses momentos, ela parte do início do cinema, com o que chama de “o nascimento do bicho-papão negro no imaginário”.

O racismo era figura central em filmes mudos, por exemplo, com os personagens negros sempre postos à margem, servindo brancos ou até tratados como animais. Isso sem contar os casos de atores brancos pintados, a “blackface”.

Uma das produções mais marcantes desse período foi “O Nascimento de uma Nação”, de 1915. Apesar de não ser um longa de terror, ele foi um dos principais a gerar essa figura do “bicho-papão negro” no audiovisual, relata o livro.

A transformação desse imaginário acabou sendo lenta. Os anos 1940, como cita Robin, foram importantes por terem testemunhado a proeminência de cineastas negros. Era o início de algo diferente do que havia sido apresentado.

Coleman defende que, sem Spencer Williams, ator e cineasta negro, não haveria “A Noite dos Mortos-Vivos” ou o que veio depois, como “Def by Temptation”, de 1990, ou ‘Nós’, de 2019.” Ela cita “Filho de Ingagi”, roteirizado por Williams, que traz Laura Bowman no papel de uma brilhante cientista.

A autora recheia a obra de exemplos que ajudam a compreender a trajetória das lutas raciais nos Estados Unidos. 

“Se você deseja um estudo complexo sobre racismo, assista a ‘Corra!’ ou ‘O Mistério de Candyman’. Já se você quiser entender melhor o movimento #BlackLivesMatter e interrogar a brutalidade policial, o estado carcerário e uma comunidade em seu ponto de ruptura, então ‘Bem-vindo de Volta, Irmão Charles’, de 1975, é a sua cartilha”, exemplifica ela.

Em fevereiro, o livro ganhou uma versão em documentário pelo diretor Xavier Burgin.

Ainda sem previsão de estreia no Brasil, “Horror Noire: A History of Black Horror”, examina diversos tópicos presentes no material original. Isso é feito por meio de entrevistas com atores, diretores, produtores e outros profissionais que ficaram marcados pelos papéis em projetos significativos no gênero terror. Dentre os rostos mais reconhecíveis estão Tony Todd, ator em “O Mistério de Candyman”, e Jordan Peele, diretor de “Corra!” e “Nós”.

“O documentário e a discussão trouxeram luz a um fato muito importante. Os negros sempre fizeram parte da promoção da cultura nos Estados Unidos, mesmo que muitas vezes sejam apagados dela devido ao racismo. ‘Horror Noire’ deixa claro que nossa contribuição ao terror é tão importante quanto a de qualquer outro grupo de pessoas”, afirma Burgin.

Ele afirma que isso ainda é mais importante no momento atual, de governo Trump, “quando os negros estão sendo atacados e alvejados nos Estados Unidos por causa da cultura de nacionalismo branco de nossa atual administração”.

Coleman não cré que haja uma nova fase forte no gênero, apesar dos prêmios e elogios recebidos pelos filmes de Jordan Peele, por exemplo. Segundo ela, “Corra!” rememora os anos 1970, período de grande destaque no terror, que também trouxe diversos debates aprofundados. 

Mas o que esperar do futuro? Duas coisas, ela responde. “Primeiro, retornar ao passado para repensar alguns clássicos e outros não tão clássicos. ‘O Mistério de Candyman’ e ‘Blade’ são alguns exemplos”, diz.

Segundo, as mulheres vão levar o gênero. “Espero que mulheres poderosas sejam onipresentes, como visto em ‘Escape Room’, ‘Ma’ e ‘O Paradoxo Cloverfield’, só para citar alguns. Eu acho essas são as coisas nas quais devemos prestar atenção”.

Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror

  • Preço R$ 64,90 (464 págs.)
  • Autoria Robin R. Means Coleman
  • Editora Darkside Books
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