O formato incomum, quase quadrado, da janela de projeção e a fotografia em preto e branco são os primeiros sinais de que “O Farol” deseja ser visto com os olhos do passado, de um tempo em que o cinema detinha o posto de principal fornecedor de sonhos e de terrores.
Estas formas, hoje anômalas, ajudam a identificar o período em que a narrativa é ambientada, uma época indefinida, apenas sugerida como “algum lugar no passado”. Envolto em um nevoeiro cerrado, o cenário também é apresentado de modo vago como uma pequena ilha. Vaga também é a apresentação dos personagens e das motivações, o que gera suspeitas.
Da mesma forma que em “A Bruxa”, o surpreendente longa de estreia de Robert Eggers, o isolamento é uma condição elementar do cinema de terror da qual o diretor parte para tornar palpáveis os fantasmas.
Estes são interiores, imaginações e medos contra os quais a razão é pouco eficaz. Mas também são exteriores, encarnados nos elementos da natureza.
Em “A Bruxa”, a terra, a floresta e os animais são forças que obrigam a alma a disputar lugar nos corpos possuídos. Em “O Farol”, Eggers desmaterializa mais os elementos, que assumem o aspecto incorpóreo da luz e dos ventos.
Esta abstração não isola a natureza como um reino estranho. Ao contrário, o filme a transforma em algo imaginário, mental, portanto interno, entranhado.
A natureza interior, que vive sendo escondida pelas aparências, ganha visibilidade nos closes de fezes e de esperma, na exposição desagradável de jatos de urina e de vômito. Assim, o corpo humano, tal como no cinema de Cronenberg, torna-se um campo de batalha entre vida e morte, entre normal e monstruoso.
O novo trabalho de Eggers também reafirma a influência do expressionismo alemão, cuja estética vanguardista não ficou limitada ao início do século 20 e foi assimilada pelo terror, entre outros gêneros. O modo como o diretor usou a cor e a cenografia como projeções das angústias em seu longa anterior é retomado incisivamente em “O Farol”.
Os ásperos contrastes entre luz e escuridão, as formas simbólicas do farol e da escada, a geometria dos interiores, a claustrofobia dos planos e, não menos importante, a atuação não naturalista de Dafoe e de Pattinson fazem passar quase despercebido o um século que separa “O Farol” de “O Gabinete do Dr. Caligari”.
Antes ou agora, o poder do medo vem daquilo que nos habita.
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