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Escritor Sérgio Sant'Anna completa 50 anos de carreira sem crise de criatividade

Aos 78 anos, autor de 'Amazona' já tem um livro pronto, alguns contos e prepara outro, dessa vez no computador

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Rio de Janeiro

​Sérgio Sant’Anna comemorou 50 anos de carreira literária em setembro. Foi em 1969 que ele publicou, em edição independente, com o dinheiro do pai (a quem nunca pagou de volta), o livro de contos “Sobrevivente”.

Dois dias antes, os Beatles haviam lançado “Abbey Road”. No mês seguinte, o general Emílio Garrastazu Médici se tornaria o terceiro presidente da ditadura militar, num governo marcado pelo combate à esquerda armada.

Foi nesse contexto, artístico e político, que se desenvolveu a literatura de Sant’Anna, um tipo de texto que questiona a própria literatura por meio da experimentação de formatos e o diálogo com outras linguagens artísticas, especialmente o teatro.

Na verdade, Sant’Anna não comemorou coisa alguma pelo cinquentenário. “Não fiz nada, não, fiquei na minha”, diz o autor, que, no entanto, relançou seu nono livro.

Trata-se de “Amazona”, cuja primeira edição de 1986, pela Nova Fronteira, estava esgotada há muito. O livro ganhou um Jabuti na ocasião (o segundo de quatro que o autor já recebeu). A nova edição chegou às livrarias no dia 3 de setembro.

A obra tem a ver com o momento atual, e seu relançamento foi sugerido a Sérgio por uma amiga. “Embora seja um folhetim satírico, trata da evolução da mulher”, conta. “Amazona” narra a ascensão de Dionísia, uma típica esposa da classe média carioca, ao poder nos anos 1980 —primeiro como modelo de revista erótica e depois como uma proeminente figura política nacional.

A editora Companhia das Letras tem lançado seus livros desde 1989 e o autor já produziu uma dezena desde então, cinco deles desde 2011. Paralelamente, a editora vem relançando os antigos.

“Isso dá uma tranquilidade. A essa altura da vida, tem um negócio bem legal, que é ver que o trabalho foi realizado. Há certa melancolia com a passagem do tempo. Mas seria muito pior se eu não tivesse feito nada. Minha vida foi bem vivida”, analisa ele, que completa 78 anos no final de outubro.

“Mas se meu físico sofreu, a criatividade está a mil.” Neste exato momento, Sant’Anna está trabalhando em uma novela (“tenho 50 páginas de rascunho”), tem outra pronta e ainda três ou quatro contos novinhos em folha. Mas não tem pressa nenhuma.

“Antes eu era extremamente ansioso. Agora procuro curtir, acho que está mais prazeroso escrever. Me dei conta de que não precisava mais me apressar. A qualidade de vida agora está sendo um fator muito importante”, diz, que dorme tarde, lá pelas 3h da manhã, e acorda quando o sono acaba, não depois das 9h.

De madrugada, gosta de ler (nesta semana, “A Fúria”, da argentina Silvina Ocampo) e ver televisão. “Acho muito legal esse lance de dormir tarde, é um momento com você mesmo. Dizem que televisão é uma porcaria, mas não é se você assistir aos canais certos.”

No caso de Sant’Anna, os canais certos são o Curta! e o Arte 1, ambos dedicados à cultura. “Tenho visto programas sobre o Bergman, Patti Smith, Jim Morrison, The Who”, conta o roqueiro.

Há uns dez anos, largou o tabaco, após passar a vida fumando até três maços por dia, desde os 14. “Não recomendo para ninguém. Tenho problemas nas artérias por causa disso. Foi difícil parar, mas corri o risco de ter de amputar uma perna, não tinha outro jeito. Às vezes dou uma tragada no cigarro de alguém e não gosto.”

Homem certo no lugar certo, em 1968 o pós-graduando conseguiu uma bolsa de ciências políticas na França e saiu às ruas em maio daquele ano (“não joguei pedra na polícia, mas ficava junto dos estudantes”).

Como se não bastasse, acompanhou in loco a Primavera de Praga, quando o país tentava relaxar o comunismo em direção a uma social-democracia —reformas essas impedidas pela invasão da União Soviética em agosto daquele ano.

A formação intelectual de Sant’Anna seria completada no início dos anos 1970, quando passou oito meses num programa de incentivo à literatura em Iowa, nos EUA. Seu segundo livro, “Notas de Manfredo Rangel, Repórter”, de 1973, trazia uma virada literária. “Nele já estão as transformações existenciais e estéticas daquela época”, lembra o autor.

“Os Estados Unidos eram um lugar legal, apesar do problema todo da Guerra do Vietnã. Assisti a um show do Grateful Dead, conheci pessoas incríveis.” A seguir, seu primeiro romance, “Confissões de Ralfo: Uma Auobiografia Imaginária” (1975), estabeleceu Sant’Anna como um dos grandes escritores brasileiros.

Seu livro próprio preferido é “A Tragédia Brasileira”, de 1984, que foi escrito ao mesmo tempo que “Amazona”. Na época, e até seis meses atrás, Sant’Anna escrevia a mão, geralmente em uma cadeira de balanço, com os pés apoiados em um baú e as folhas de sulfite apoiadas em seu joelho.

“Pois agora estou escrevendo direto no computador. Não sei por que perdi tanto tempo para mudar. É muito mais cômodo, meu trabalho foi reduzido pela metade. E ainda corrige uns errinhos... Às vezes ele não reconhece algumas palavras difíceis, mas aí eu ignoro as correções e vou em frente.”

Amazona

  • Preço R$ 79,90 (304 págs.)
  • Autoria Sérgio Sant’Anna
  • Editora Cia das Letras
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