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Último cinema de tela única de Nova York fecha após 71 anos de funcionamento

Paris Theatre exibiu 'Pavarotti', de Ron Howard, em sua última sessão

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John Leland
The New York Times

O Paris Theater tinha seu balcão de guloseimas no subsolo, uma cortina de veludo púrpura diante da tela e, ao fechar em 29 de agosto, depois de 71 anos de funcionamento, era o último cinema de tela única na cidade de Nova York.

O último filme em exibição foi "Pavarotti", documentário dirigido por Ron Howard e uma coda perfeita para a sala: um filme de prestígio, dirigido a uma audiência polida e a perfeita representação de uma noite de cultura, para uma determinada faixa demográfica.

"Que terrível", disse o pintor Duncan Hannah, que amava o cinema na esquina entre a rua 58 e a Quinta Avenida pelos filmes franceses e pela qualidade das fofocas nova-iorquinas que se podia ouvir em seus assentos estofados.

"Parecia o cinema elegante de um velho transatlântico", disse Hannah. "Cruzei o Atlântico a caminho da França em 1967, quando tinha 14 anos, e o cinema do navio parecia o Paris."

Fachada do Paris Theater, em Nova York
Fachada do Paris Theater, em Nova York, que fechou em agosto de 2019 - Reprodução

As causas da morte são as usuais. A internet (streaming de vídeos), o mercado imobiliário (contrato de locação vencido), a mudança na demografia e públicos de atenção mais curta. O que vale dizer: a vida.

Em setembro, os cinemas Beekman , também propriedade do magnata imobiliário Sheldon Solow, fecharam igualmente. No ano passado, foi o Landmark Sunshine, no East Village, e no ano anterior, o Lincoln Plaza.

"O Paris Theater vai fechar?", escreveu o cineasta John Waters em mensagem de email. "Oh não! Onde os velhos fãs de filmes de arte poderão assistir a rarefeitos filmes estrangeiros na segurança de um bairro rico?"

Waters não lembra da última vez que foi ao Paris, mas acrescentou: "Se me lembro bem, eles chegaram a ter um balcão de doces —vulgar demais, imagino?"

O escritor britânico V.S. Pritchett apontou certa vez que "o passado de um lugar sobrevive nos seus pobres". Na Nova York de 2019, ao que parece, o passado sobrevive nos lamentos das pessoas apanhadas do lado errado do furacão do mercado imobiliário, na sedutora transformação de memória em pesar.

Você não precisava ter sido freguês recente da Carnegie Deli ou da Peal Paint para lamentar seu fechamento. Há um senso de comunidade no luto, e em uma era de rápidas mudanças, comunidade significa conforto. A memória se torna folclore, uma forma de identidade de grupo. S

Hal Willner, veterano produtor de sketches musicais no programa "Saturday Night Live", se lembra de levar uma mulher para assistir "O Império dos Sentidos", um filme japonês sexualmente explícito, no Paris, no final da década de 1970. Eles não sabiam do que tratava o filme e saíram no meio.

Os horários de exibição do Paris começavam mais tarde que os de outras salas e Willner diz que em muitas ocasiões ele era um dos poucos espectadores presentes na sala de 581 lugares.

"Era uma daquelas coisas muito reconfortantes que imaginávamos que nunca desapareceria", ele disse. "Mas é claro que desaparecerá. Nova York sempre foi assim. Sempre haverá fantasmas." Perto do cinema ficava a loja matriz da cadeia de brinquedos F.A.O. Schwarz e o primeiro Playboy Club da cidade, ele contou. Um fechou e a outra mudou de endereço.

Ele acrescentou: "Mais do que pensar que vou sentir falta da sala, o que estou sentindo é que gostaria de ter ido lá mais vezes". Howard disse que o Paris vendeu mais ingressos para "Pavarotti" do que qualquer outra sala, mas que a mudança era inevitável.

"Sinto nostalgia pela ideia dos cinemas de arte, mas os padrões de consumo de filmes estão mudando", disse Howard em entrevista. "Isso vem acontecendo desde o nickelodeon original, acionado a mão. Essa forma de arte continua jovem."

Novas salas foram inauguradas. Jake Berlin, diretor artístico e de programação do Metrograph, um cinema na parte sul de Manhattan, define o Paris como "uma enorme inspiração" por ser "parte do mundo adulto", e "um lugar ao qual as pessoas sempre associariam terem visto um determinado filme".

Você pode lembrar de ter visto "Vingadores: Ultimato", mas não de onde o viu. Mas recordará ter visto "O Boulevard do Crime", de Marcel Carné, no Paris. Ou não.

A cadeia de cinemas Alamo Drafthouse vem crescendo rapidamente e nela as pessoas podem ver filmes ambiciosos e ao mesmo tempo comer e beber. "Eles estão se expandindo muito rápido", disse o cineasta Alex Ross Perry, cujo trabalho é descrito no site do Metrograph como "uma série de filmes dolorosamente articulados, às vezes tristes, às vezes autoflagelativos, às vezes escabrosos".

Ainda que Perry lamente o fechamento de qualquer sala de cinema, ele disse que o modelo de negócios do Paris era antiquado e impraticável.

"Se o seu modelo de negócios é fazer com que pessoas se desloquem para Midtown a fim de verem um documentário sobre Pavarotti, sua faixa de audiência será muito estreita", ele disse. "Esse será o lugar que você escolheu para morrer."

Dennis Lim, diretor de programação do Film at Lincoln Center, disse que ele também sentirá falta da elegância do Paris, especialmente à medida que mais cinemas foram divididos em pequenas caixas anônimas.

Ele disse, contudo, que não sentia necessidade de ir ao Paris. As demandas de ter só uma tela e ter de ocupar todos aqueles assentos geravam uma programação avessa a riscos.

Para filmes aventurosos, ousados e surpreendentes —para o estalo perturbador do novo—, os viciados em cinema de Nova York têm outras salas. Ou seu serviço de streaming favorito.

"Todas essas pessoas que estão lamentando a perda do Paris", disse Lim, "eu tenho curiosidade de saber quando elas estiveram lá pela última vez".

Tradução de Paulo Migliacci

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